Apresentação
A palavra Via, de origem latina, designa estrada, caminho. Presente na Historia e Filosofia da Religião, ora com o significado de modalidade (método) ora com o significado de itinerário. Intercambiando sentidos foi assim que ao longo da história homens como Dionísio Pseudo-Areopagita, Tomás de Aquino, por exemplo, usaram-na para expressar suas ideias. Mais que três Vias, Cinco Vias, Via Antiga ou Via Moderna, VIA TEOLÓGICA toma emprestada a expressão, não por defender um método de conhecimento de Deus, ou para defender uma determinada doutrina ou mesmo Instituição.
Ao tomar emprestado o termo com o sentido de itinerário como, por exemplo, usou São Boaventura, VIA TEOLÓGICA é uma estrada pela qual o Seminário Teológico Batista do Paraná convida o povo de Deus a trilhar. Não é uma nova estrada. É A mesma inaugurada por Cristo. Uma caminhada para o diálogo, conversas, reflexões sobre questões relevantes para o Reino de Deus, para a realidade da Igreja local, do ministério cristão debaixo da autoridade bíblica e do comprometimento com a glória de Deus.
Embora qualquer elaboração de texto exija algumas regras metodológicas, a ênfase maior de VIA TEOLÓGICA não será o rigor tecnicista, mas a aplicabilidade, praticabilidade das reflexões que visem o crescimento do povo de Deus e um melhor desempenho de seu ministério nos tempos modernos.
Também não esconderemos, sob quaisquer disfarces, o compromisso doutrinário Batista que nos é característico. Compromisso esse que resguarda acima de tudo a Soberania de Deus e o compromisso com sua palavra.
Cada escritor é responsável pelas reflexões apresentadas. Isso não significa que VIA TEOLÓGICA se exima de qualquer responsabilidade, pelo contrário, assume publicamente a sua
maior responsabilidade: Zelar pela liberdade de expressão, de pensamento de homens que sabem de antemão quais os compromissos que assumiram com o Senhor de nossas vidas.
Este é o primeiro número, sem dúvida de muitos outros, mas todos eles, embora lutemos pelo aprimoramento, são palavras humanas e como tais factíveis de erros, por isso mesmo sua opinião, correção nos será sempre muito útil.
E por fim, reconhecendo que é Deus quem dá o crescimento, afirmamos que VIA TEOLÓGICA é mais um degrau na história de bênçãos derramadas sobre o Seminário Teológico Batista do Paraná, a quem nesse momento, Deus confere ao Pr. Edson Martins, digníssimo Reitor, a honra de inaugurá-la.
Curitiba, Junho de 2000.
Pr. Uipirangi Câmara, Editor
SEMINÁRIO BATISTA TEOLÓGICO DO PARANÁ
60 anos preparando vidas para a obra do Senhor
Edson Martins
No dia 12 de outubro de 2000, o Seminário Teológico Batista do Paraná completará 60 anos de ininterrupta atividade. Alguns aspectos da história da instituição são bastante conhecidos, outros não. Não sendo historiador e nem dispondo de condições de escrever urna obra profunda, proponho-me, neste artigo, a fazer um breve relato dos fatos mais marcantes destes 60 anos. Minhas fontes são documentais, como cartas, atas, relatórios, prospectos antigos da instituição e principalmente o livro de Xavier Assumpção, Pequena História dos Batistas no Paraná.
- O INÍCIO – 1940
A peça chave que Deus usou para começar a obra teológica no Paraná foi o missionário A. B. Deter, servo do Senhor que possuía um grande amor pela educação em geral. Foi o fundador de várias escolas anexas aos templos das igrejas, pois cria na obra educacional como fator propulsor da evangelização (ideia comum entre as missões tradicionais evangélicas).
Além da educação secular, era promotor entusiasta da educação teológica no Paraná. Assim, em abril de 1920 aconteceu em solo paranaense (Paranaguá), o primeiro “Instituto Bíblico”, com duração de cinco dias, sendo as principais disciplinas ministradas pelo próprio A. B. Deter. No ano seguinte ele foi realizado no mês de dezembro. A semente de uma instituição teológica estava lançada.
Três anos mais tarde ele abriu a “Escola de Obreiros”, nas dependências do Colégio Batista de Curitiba, nos mesmos moldes dos Institutos anteriores, oferecendo várias disciplinas práticas em poucos dias. Infelizmente, logo o Colégio fechou suas portas, e os “Institutos relâmpagos” continuaram a ser realizados em várias cidades, nos moldes já citados.
A. B. Deter, porém, almejava algo maior, uma escola que preparasse bem os vocacionados paranaenses e em 1936 ele diz: “Começamos a campanha em prol da futura Escola de Treinamento de Obreiros para o nosso campo, e não descansaremos até vermos esse ideal alcançado.”
O ideal se concretizou no dia 12 de outubro de 1940, com a criação da Escola Batista de Treinamento, em Curitiba, com apenas quatro alunos: José Martins Rodrigues (veterano pastor que ainda atua na cidade de Paranaguá), Tito Ribeiro, Edson Aguiar e Alfredo Auras (já falecidos). Os professores eram A. B. Deter (que dirigiu a Escola por alguns meses), A. Ben Oliver, Carlos Stroberg e João Emílio Henke. A Escola funcionou inicialmente na residência do missionário norte-americano A. Ben Oliver, que foi o seu diretor de 1941 a 1951. Logo depois inauguraram o primeiro prédio, com frente para a Rua Silva Jardim, que é a entrada para o Seminário até hoje.
- A CONSOLIDAÇÃO - 1951-1958
Por alguns anos somente eram aceitos alunos internos. As aulas eram ministradas pela manhã. À noite, os alunos frequentavam a escola secular. Em 1954 é que a instituição começou a receber alunos externos.
O ano de 1958 foi marcado por duas decisões importantes para a instituição:
- As aulas passaram para o período noturno, favorecendo principalmente os alunos externos que trabalhavam durante o dia; com esta decisão, houve um considerável acréscimo de alunos;
- A mudança do nome da instituição de Escola Batista de Treinamento para Instituto Bíblico Batista A. B. Deter, em homenagem ao seu idealizador.
Digno de nota é que o curso oferecido pelo Instituto Bíblico Batista A, B. Deter (IBB, como era chamado) era considerado como um curso preparatório, pois muitos dos formandos ao terminarem seus estudos seculares e teológicos no IBB, dirigiam-se ao Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, no Rio de Janeiro, para cursarem o bacharel em teologia. Por isto os alunos eram conhecidos como pré-seminaristas. A nota dissonante é que a maioria acabava não retornando ao Estado do Paraná, deixando o campo carente de pastores bem preparados.
Durante o período aludido, a instituição foi dirigida pelos seguintes pastores: Albert Luper (1952); Lester C. Bell (1953-1954) e Rodney B. Wolfard (1955 A 1958). Todos eles eram missionários da Junta de Missões Estrangeiras, dos Batistas do Sul dos EUA, popularmente conhecida como Junta de Richmond.
A maior parte dos recursos para a manutenção do Instituto vinha da referida Junta, situação que perduraria por um longo tempo.
3. A EXPANSÃO PATRIMONIAL (1959-1979)
Sob a direção do missionário Richard T. Pamplin o Instituto Bíblico Batista experimentou um notável crescimento patrimonial, com a construção da maioria dos prédios existentes ate hoje.
Um dado importante para se entender a influencia dos americanos na condução da obra teológica no Paraná é o fato da Missão Batista do Sul (Junta de Richmond) de 1958 até 1975 indicar a metade dos membros da Junta Administrativa da instituição.
Sentindo a necessidade de preparar as moças para o ministério, em 1959 foi iniciado o curso de Educação Religiosa, com as aulas sendo ministradas à tarde. No ano seguinte passou para a noite, aumentando a procura, o que obrigou o Instituto a alugar uma residência para alojar as alunas vindas do interior do Paraná e de outras partes do Brasil. Somente em 1964 é que seria construído um alojamento feminino na propriedade do Instituto.
Em 1968 começou a curso de Música Sacra. Um fato curioso, que merece menção é que na carta circular que o diretor enviou às igrejas, estava dito que os alunos internos obrigatoriamente tinham que fazer fora um outro curso (ginasial, colegial ou superior), além do que era oferecido pelo Instituto. O que para outras instituições congêneres era problema, ali era exigência.
Seguindo o curso natural das instituições, em janeiro de 1974 foi criado o Seminário Teológico Batista do Paraná, pela Convenção Batista Paranaense. É estranho, que com a criação do Seminário, não se extinguisse o Instituto, que continuou funcionando ate o fim de 1979.
Em 1979 o missionário Richard Thomaz Pamplin pede demissão da direção do Seminário, em carta enviada a Junta de Educação Teológica, na qual ele expressa seu descontentamento com o apoio recebido da Junta Executiva da Convenção Batista Paranaense. Pelo que se deduz da leitura de documentos da época, a queixa mais frequente era de que, os alunos do Seminário paranaense eram preteridos pelos alunos do Seminário do Sul, no Rio de Janeiro.
Analisando a história da instituição, conclui-se que o Dr. Pamplin é a figura que mais se destaca, não só pelo longo período à frente da instituição, como pelo que realizou.
4. TEMPOS DIFICEIS (1979-1986)
Com a saída do Dr. Pamplin, assume a direção do Seminário o missionário William Damon, que fica apenas alguns meses. Um passo ousado é dado: em 1980 a Junta de Educação Teológica convida um brasileiro para assumir a direção da instituirão, o Pr. Samuel Mitt.
No período em que ele dirigiu o Seminário, enfrentou uma grave crise financeira devido ao corte na ajuda financeira, que vinha dos batistas norte-americanos. Na época, o Seminário não possuía residência própria para o diretor, e muito esforço foi feito para que a Missão do Sul doasse um imóvel que a ela pertencia e que ficava ao lado do Seminário, tendo servido de residência ao missionário William Damon.
Os missionareis que trabalhavam no Brasil foram favoráveis à doação, mas a direção da Missão dos EUA não. A residência foi colocada à venda. Como o Seminário não possuísse os recursos para comprá-la, foi vendida a particulares, o que causa uma certa tristeza até hoje, pois a instituirão ficou com uma entrada às suas dependências bastante estrangulada.
O Pr. Samuel Mitt pede demissão no inicio de 1983. Vendo que não havia condições de sustentar um diretor brasileiro, a Junta de Educação Teológica resolve convidar o missionário inglês David Grainger, que assume em 1°. de março de 1983, iniciando uma parceria com a Baptist Missionary Society (BMS) que ajudaria muito o Seminário na área docente, fornecendo professores-missionários e concedendo bolsas de estudos para professores brasileiros estudarem na Grã-Bretanha: Moisés Amorim, José de Godoy Filho, Lauro Mandira, Manoel Xavier dos Santos Filho, Flavio Strini dos Santos e Jaziel Guerreiro Martins.
Além da área docente, a BMS ajudou financeiramente na manutenção do Seminário, através de uma verba mensal, durante um bom tempo. Ajudou na aquisição de livros para a biblioteca e outros equipamentos.
Neste período de administração Grainger, foi concluída a atual biblioteca, que leva o nome do pastor Xavier Assumpção, cuja construção iniciou-se em 1981 com uma oferta norte-americana, ficando parada por quatro anos e só pode continuar com uma oferta expressiva da Osvald Chambers Publications Association, da Inglaterra e com as ofertas dos batistas paranaenses.
David Grainger deixa a reitoria do Seminário na aula inaugural de 1986, retornando a Inglaterra para lá assumir a reitoria de um seminário.
- TEMPO DE ESTABILIDADE (1986-2000)
Com a saída do missionário inglês, a Junta de Educação Teológica da Convenção Batista Paranaense resolve convidar o pastor Zacarias de Aguiar Severa (que já vinha ocupando o cargo de Deão acadêmico), para ser o Reitor da instituirão, inicialmente em meio expediente, pela difícil condição financeira existente.
Neste período, o Seminário alcança grandes vitórias:
-Vê, cada vez mais, firmado o conceito de qualidade dos cursos oferecidos;
-Tem o seu curso teológico reconhecido pela Associação Brasileira de Instituições Batistas de Ensino Teológico (ABIBET);
-Equilibra suas contas, conseguindo sobreviver sem ajuda externa, contando com um percentual vindo do Plano Cooperativo da Convenção Batista Paranaense e das mensalidades pagas pelos alunos;
-Passa a remunerar melhor seus funcionários e professores;
Concedeu bolsas de estudos para os professores Lauro Mandira, Antonio Renato Gusso e o próprio reitor, Zacarias de Aguiar Severa cursarem o mestrado, elevando o nível acadêmico da instituição;
-Viu crescer o numero de alunos matriculados e o aproveitamento dos formandos na direção das igrejas, principalmente no campo paranaense;
-A abertura do Curso de Pós-Graduação.
O grande desafio deste tempo foi manter os cursos de Educação Religiosa, que foi fechado em 1993 e o de Musica Sacra, que encerrou-se em 1995 por falta de alunos e condições financeiras.
Um momento delicado passado pelo Seminário foi o de abrigar em suas dependentes o Colégio Batista de Curitiba, criado pela Convenção Batista Paranaense em 1991. O funcionamento do Colégio nas mesmas dependentes do Seminário causou muitos atritos entre as duas administrações.
Depois de muitas lutas para sobreviver, o Colégio fechou em 1994, deixando uma grande dívida a ser paga. O seminário emprestou na época quase dezesseis mil dólares para ajudar a Convenção a quitar a dívida.
Com a reformulação da estrutura da Convenção Batista Paranaense, deixaram de existir as Juntas Administrativas e foi criado o Conselho Geral. Foi aprovado então que o reitor do Seminário seria eleito e contratado por um período de cinco anos, podendo ter o seu mandato renovado ou não. Estando para completar o período para o qual foi eleito, o Conselho Geral decidiu não renovar o mandato do reitor. Assim, o pastor Zacarias de Aguiar Severa deixa a reitoria em setembro de 1998, sob protestos de alguns obreiros, professores, alunos e funcionários.
É então escolhido para reitor-interino o pastor Lauro Mandira, que ocupava o cargo de Deão Acadêmico. Consultado sobre a possibilidade de assumir efetivamente o cargo, comunica que havia aceitado o convite da Junta de Missões Mundiais da Convenção Batista Brasileira, para trabalhar no campo missionário na África do Sul, onde já havia trabalhado anteriormente.
E convidado então pelo Conselho Geral o pastor Edson Martins, que toma posse na reitoria do Seminário no dia 1°. de fevereiro de 1999, com o desafio de manter o crescimento qualitativo e quantitativo da instituição, bem como recuperar o patrimônio que se encontrava bastante degradado e em alguns casos, defasado.
Com a aprovação do Ministério da Educação e do Desporto, em julho de 1999, da lei que reconhece os cursos de teologia, uma nova perspectiva se abriu ao Seminário, que está providenciando a documentação exigida para a autorização e posterior reconhecimento do seu curso de Bacharel em Teologia.
Neste ano de 2000, no primeiro semestre, o Seminário conta com 219 alunos matriculados no curso de Bacharel, 30 na Pós-Graduação (Especialização e Mestrado), 43 no de Prepararão de Obreiros e 25 no de Professores de Crianças. Total: 317 alunos.
CONCLUSAO
A pequena semente lançada em 1940 germinou, cresceu, deu e está dando frutos para a glória de Deus. Grande parte dos obreiros batistas do campo paranaense são egressos do Seminário Teológico Batista do Paraná, que tem se esforçado para manter-se se à altura dos desafios deste século, sendo fiel aos anseios das igrejas, razão de ser desta instituição.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSUMPÇÃO, Xavier. Pequena Historia dos Batistas no Paraná. Curitiba, edição do autor, 1976.
MEIN, David. (coordenador) O que Deus tem feito. Rio de Janeiro, JUERP, 1982.
PEREIRA, Jose dos Reis. Historia dos Batistas no Brasil 1882 -1982. Rio de Janeiro, JUERP, 1982.
PERSPECTIVAS TEOLÓGICAS E PASTORAIS PARA O NOVO MILÊNIO
Jaziel G. Martins
Uma grande preocupação tanto no mundo secular quanto na Igreja, é como enfrentar o século XXI. Uma pergunta que paira no ar é: “Para onde irá a teologia e como há de ser a Igreja no século vindouro? Que tipo de líder será necessário no próximo século? Na verdade, teólogos, líderes e pastores estão muito preocupados com os desafios do novo século tanto para a teologia quanto para a prática pastoral.
Há um ditado inglês que diz: se quisermos conhecer o futuro. precisamos compreender o passado. Necessitamos compreender que a situação atual da igreja resulta do que aconteceu no passado; a Igreja não era e não é isolada do que acontece no mundo. Querendo ou não, há uma interação entre o mundo e a Igreja. Esta influencia aquele e por sua vez aquele influencia esta. Com o passar do tempo, a Igreja cristã sofreu inúmeras transformações, algumas positivas, mas outras negativas. É mister que façamos uma análise criteriosa para diferenciar os erros dos acertos, ver o que realmente nos vem do Novo Testamento e o que foi nos passado por tradicionalismo religioso, através das várias influências sofridas pelo cristianismo.
Não se deve esquecer jamais de que o cristianismo nasceu dentro do judaísmo. Foi um judeu quem criou a religião cristã. Isso nos trouxe uma excelente herança judaica em termos de fé, mas, algumas vezes, costumes e superstições do povo hebreu ainda existente na igreja cristã, em pleno final de século XX. Além disso, os primeiros cristãos eram judeus, seguidores de um homem judeu, que era Deus ao mesmo tempo; eles não eram seguidores de dogmas, filosofias, instituições. Cristianismo era, no começo, uma fé viva; fé em uma pessoa. Tal conceito de fé foi algo inteiramente novo no ambiente histórico religioso daquela época. No ambiente helenista de Jesus não existia nenhuma religião que propagasse uma fé em relação à divindade. No ambiente judaico, a atitude religiosa básica era a de obediência à Torá. A fé era uma obra entre outras. Com Jesus, a fé surge sempre no encontro individual com a sua pessoa: algo inteiramente novo e inovador. Não é a aceitação de sua doutrina que confere graça, mas a adesão à sua pessoa.
A primeira grande influência sofrida pelo cristianismo foi do povo grego, o qual transformou o cristianismo em filosofia. A Teologia passou a servir-se da filosofia grega para entender e explicar a fé cristã. Por um lado, a filosofia grega trouxe benefícios importantíssimos para o teólogo. A própria língua grega foi assaz fundamental, pois é uma língua exata na transmissão de ideias.
A filosofia grega foi importantíssima na defesa da fé cristã através dos apologistas que combatiam os ataques dos gregos pagãos. Nessa batalha concretizou-se a formulação da doutrina da Trindade, a explicação sobre a divindade e a humanidade de Jesus, e a defesa da fé cristã contra heresias surgidas dentro da igreja, como o gnosticismo, ebionismo, docetismo, monarquianismo e outros grupos. Por outro lado, a argumentação filosófica grega trouxe dogmas e ideias estranhas à fé cristã. Pensamentos alheios ao Novo Testamento adentraram no pensamento da Igreja, pois os teólogos eram os filósofos da época e vice-versa. Houve uma junção entre razão e fé, filosofia e teologia, entre o espiritual e o metafísico.
Em suma, a fé viva estava se transformando num racionalismo morto, num dogmatismo morto, numa fé morta. A Igreja em geral se perdeu tanto, com tanto dogmatismo, que ainda não achou o caminho de volta. Cada grupo denominacional tem os seus dogmas, um corpo doutrinal pronto, achando que se pode guardar os dogmas que criaram dentro de uma caixa fechada, onde nada entra e nada pode sair. Tais dogmas se tornaram divinos, absolutos e eternos. Quando qualquer cristão olha apenas com olhos racionais, com a cabeça feita pelo seu grupo religioso, acha que tudo o que crê ou pensa, está na Bíblia. Parte de sua pressuposição teológica ou doutrinária e busca textos na Escritura para embasar seus pontos-de-vista.
Outra influência dos filósofos gregos foi a moral. Entre outras influências sofridas, os cristãos passaram a adotar a moral dos filósofos epicureus. SUSTINE ET ABSTINE: “sofre a dor e abstém-se do prazer”, De acordo com a filosofia dos epicureus, tudo que é prazer é mal; tudo que é dor aperfeiçoa a alma e a mente. Da região inferior surgem tendências contrárias à parte racional, e por isso intrinsecamente más: são as paixões. Cumpre ao sábio extirpá-las a fim de alcançar a impassibilidade absoluta. Com isso surgiram o celibato, o castramento e a abstinência sexual. Os rostos e corpos femininos que assaltavam a imaginação dos monges eram associados ao demônio: a mulher era diabolizada, carnal, que devia ser execrada do espírito. A única mulher que o monge podia vislumbrar era Maria, que morrera Virgem. A fé cristã passou, então, a ser sinônimo de razão e de uma moral asceta. Essas influências passaram a fazer parte intrínseca do cristianismo e nele estão fortemente inseridos até o dia de hoje.
Já o Império Romano transformou o cristianismo numa instituição. Com a constantinização do Cristianismo, a Igreja passou a ser a religião oficial do Estado. De perseguida passou a ser perseguidora. Houve a influência do Estado e do Imperador nas decisões administrativas. O cargo de bispo começou a se destacar dos demais presbíteros. O bispo tornou-se o verdadeiro representante da Igreja. Bispos de cidades mais importantes tornavam-se cada vez mais importantes, até culminar no pensamento que o bispo de Roma possui autoridade sobre os demais, surgindo então, o poder Papal que perdurou séculos adentro. Em alguns países, o poder episcopal era tão grande na Idade Média, que vários pais compravam esse direito para seus filhos ainda pequenos. A Instituição Igreja tornou-se sobremaneira importante: “Não pode ter Deus por Pai, quem não tiver a Igreja por mãe”; “Não há salvação fora da Igreja Católica”, são alguns exemplos dessa institucionalização. Os bispos políticos passaram a ter mais poder e influência que os bispos teólogos e pastores. A Igreja passou a ser um poder político e econômico muito forte. Enquanto muitos entre a população morriam de fome, a Igreja vivia nababescamente, luxuosamente, pomposamente. O poder político da Igreja cresceu tanto que ela intimidava as pessoas e em nome de Deus, matava inocentes e os inimigos do Evangelho. As Cruzadas e a Santa Inquisição são páginas malditas, deixadas pela Igreja, na história. Como consequência dessa romanização, a Igreja deixou de ser um organismo vivo, passando a ser uma instituição política.
A contribuição do povo europeu foi transformar o cristianismo numa cultura. É o famoso protestantismo do ocidente. Para ser cristão é preciso aceitar o cristianismo juntamente com a cultura ocidental. O modelo para o cristão é ditado por uma cultura individualista, humanista, capitalista e essencialmente colonizadora. Outro detalhe é que, cada cultura protestante, dita o que é pecado e o que não é. Cada grupo tem uma lista do que se pode e do que não se pode fazer. O incrível é que todos justificam fazer uso da Bíblia e juram estar certos. Em muitos grupos essa observância das regras é questão de salvação ou perdição. A salvação passa a ser por obras, pois se alguém fizer determinada coisa, caiu da graça ou perdeu a salvação. É o retorno à observância de regras, ao farisaísmo e ao legalismo dos judeus. O Cristianismo deixa de ser fé viva para ser observância cega às regras e preceitos criados pelos homens.
É necessário que, aqui se faça um comentário sobre a tradição religiosa. Todas as religiões possuem suas tradições. Entretanto, existe uma diferença fundamental entre dois termos: tradição e tradicionalismo. Tradição é a fé viva dos que já morreram. Todos temos tradições: família, pais, religião, etc. As tradições de nossos pais ajudam a entender a nossa fé, e a experiência religiosa de vários séculos evidencia que os tempos podem ser diferentes, mas que Deus é sempre o mesmo. Já o Tradicionalismo e a fé morta dos que vivem. Infelizmente, muitos grupos evangélicos nada têm a ver com a fé viva no Cristo redivivo, mas sim, são um agregado de tradições humanas, embasadas em puras superstições e presas a um determinado contexto cultural, sendo, portanto, totalmente desvinculadas do verdadeiro Evangelho de Cristo.
Outra grande influência vem dos Estados Unidos. O cristianismo norte-americano tem trazido enormes benefícios, não só para a cristandade, mas também para toda a humanidade. Entretanto, por causa de alguns fatores, tais como a teologia da prosperidade, a confissão positiva, e a influência de alguns evangelistas de massa, o evangelho americanizado transformou o cristianismo em negócios, Essa influência se faz sentir no Brasil com muita fertilidade, onde pequenas igrejas transformam-se em grandes negócios. Igrejas surgem repentinamente do nada e se transformam em poderosíssimos grupos econômicos financeiros. Em alguns grupos o “dom da arrecadação” torna-se o dom mais importante. Com isso, aquilo que o protestantismo mais repudiou no catolicismo das indulgências, está fazendo parte de suas próprias fileiras. Vendem-se bênçãos a todo custo e explora-se a boa fé do povo carente e necessitado. Esse tipo de atitude nada tem a ver com a verdadeira mensagem do Reino de Deus. Cristianismo deixou de ser fé viva e passou a ser um “excelente” negócio financeiro.
Qualquer segmento cristão carrega em sua história as influências acima mencionadas. Alguns grupos foram mais influenciados pela filosofia grega e pela institucionalização romana, como a Igreja Católica, por exemplo; outras denominações cristãs, especialmente os protestantes, foram influenciados essencialmente pela cultura europeia; já os evangélicos no Brasil foram influenciados em demasia pela cultura protestante europeia, especialmente a anglo-saxônica que nos foi enviada através dos norte-americanos; mas, na atualidade, as seitas emergentes no Brasil estão sendo influenciadas pela teologia da prosperidade e da confissão positiva, oriundas da outra América.
Nesse teologar, é preciso reconhecer que há crises. A Igreja de Jesus Cristo precisa tomar cuidado com os perigos advindos das crises, mas também abrir os olhos para as oportunidades que estão à nossa frente. Consequentemente, é mister que a igreja acorde de um estado atual de inércia para um novo dia e um novo tempo. Nesse despertar, é mister que examinemos atentamente quem somos, o que fazemos, que igreja tem sido a nossa, que mundo é o que vivemos. Devemos priorizar os elementos que são Fundamentals, necessários e essenciais, e deixar de supervalorizar os elementos que são transitórios, contingentes e acessórios. É necessário conhecer bem o que fazemos, por que fazemos, para que fazemos e como fazemos. Cumpre-nos desenvolver a percepção da atual realidade teológica e eclesiástica, libertando-nos de determinadas influências maléficas, que tem deteriorado o verdadeiro evangelho de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo e escravizado a vida de tanta gente, que se esforça por entrar no Reino de Deus.
O mundo do novo milênio é caracterizado por um crescente processo de secularização, decorrendo daí o colapso das crenças e o banimento da religião da vida pública. Ser religioso é ser inferior, é ser atrasado, é viver no século XX ou quem sabe no XVI. O homem moderno, secularizado, vivendo no século XXI, se torna ridicularizado se é religioso. Outro detalhe é que há um descrédito exacerbado nas instituições e a igreja institucionalizada está cada vez mais sendo desacreditada. A filosofia pós-moderna nega qualquer possibilidade de verdades universais, absolutas e necessárias. Tudo é relativo. Por isso, há um pluralismo ideológico e cultural na sociedade pós-moderna. Uma grave consequência faz-se notar na bioética. A vida humana tornou-se algo relativo, banal: ela pode começar e terminar quando certas pessoas ou grupos desejam ou decidem. Abortamento, clonagem, pena de morte, extermínios de marginais ou grupos ameaçadores, são temas cada vez mais constantes em nosso dia-a-dia.
Em termos de moral da família, as mudanças são drásticas nesse início de milênio: o casamento tornou-se um mero contrato humano, feito entre duas pessoas, indiferentemente de sexo, e qualquer pessoa pode, a qualquer momento, rompê-lo por qualquer razão. Família é agora, um agrupamento qualquer de pessoas. Os relacionamentos sexuais são inteiramente permissíveis, independentemente do status conjugal das pessoas. Com isso, ressalta-se ainda mais o estilo de vida individualista, narcisista e hedonista, impregnado de tal forma em nossa sociedade que qualquer atitude ou padrão diferente é inteiramente descartado.
A realidade virtual é uma característica sui generis de nosso século. Uma pessoa pode fazer compras, obter informações dos mais variados assuntos, namorar e corresponder-se com o mundo externo, através do computador. Essa característica está formando uma geração se pessoas solitárias, que não desenvolvem a sua personalidade social, as quais são pessoas obsessivas pela Internet e que não sabem mais a linha limítrofe entre o real e o virtual. São pessoas frias e sem calor humano; sabem de tudo da Internet, mas não conhecem o calor humano e o verdadeiro amor e companheirismo que pode existir entre duas ou mais pessoas.
Uma característica preponderante nesse início de milênio é a atenuação das fronteiras e o crescente aumento do diálogo. A globalização tem deixado o mundo muito menor e menos distante do vizinho. As nações estão bem mais próximas umas das outras, especialmente depois da queda do muro de Berlim. As diferenças raciais, sociais, religiosas e culturais já não são tão grandes assim; o dialogo e a união de forças é a tônica do momento. A ampliação da liderança da mulher na sociedade, por exemplo, vem provar que aquilo que era impossível há trinta anos já é uma realidade no presente e que, determinados padrões estabelecidos pela sociedade há séculos, estão caindo rapidamente.
Com essa crescente onda de globalização, o indivíduo pós- moderno está passando por uma crise de pertencialidade, ou seja, ele tem uma grande necessidade de pertencer a um grupo, classe ou alguma coisa semelhante. Isso é evidenciado, ainda mais, com a transição da sociedade industrial e manual para uma sociedade da informação e do conhecimento que se faz de forma rápida e brusca; o homem está sendo isolado, substituído pela máquina e ele está encontrando terríveis dificuldades para se adaptar. Ele, então, tem uma necessidade fundamental de pertencer a algo.
Como resultado dessas tendências em nossa sociedade, a Igreja da virada do milênio apresenta algumas características fundamentais. Ela estará muito mais aberta ou suscetível às mudanças. Isso é muito bom por um lado, pois existem estruturas e tradições humanas que necessitam ser removidas. Por outro lado, a igreja estará cada vez mais ameaçada a abrir mão de princípios basilares da fé. A igreja precisa estar aberta para mudanças de estrutura organizacional, de linguagem e de métodos, mas sem abrir mão de doutrinas e princípios biblicamente fundados. Precisamos ter a capacidade de distinguir conteúdos e formas, necessário e contingente, princípios e métodos, entre o que é bíblico (doutrinário) e o que é cultural.
Há, também, uma grave crise da Palavra de Deus. Os cristãos creem nas palavras de um pregador carismático e não tem a preocupação de comparar suas mensagens com a Bíblia. A Igreja precisa dar um basta no fanatismo, no emocionalismo que leva as pessoas a um buraco negro espiritual, e ensinar a verdade escriturística. Outro aspecto marcante, na virada do milênio, é a apresentação de muita diversidade e multicolorido nas formas de culto e seu testemunho. Essa influência advém da globalização religiosa que, por sua vez, vem na esteira doutras formas de globalização. Isso tudo fará que a Igreja seja confrontada com o fato de que, fidelidade a Cristo e integridade da vida de seus ministros e sua membresia, constituirão o toque especial de sua relevância e condição de seu impacto no mundo.
Outra característica da Igreja atual é a terrível ameaça que ela sofre pelo crescimento das seitas orientais, das seitas anticristãs e das seitas “evangélicas”. Dentre as práticas da Nova Era, adotadas por vários segmentos cristãos, está a doutrina do poder da mente. Segundo essa doutrina, o crente é visto como um semi-deus, que tudo pode. O cristão passa a se ver como alguém que tem autoridade sobre todas as coisas, que pode ordenar qualquer coisa, e isso acontece exatamente como é usado o pensamento positivo na Nova Era. O evangelho da prosperidade é o exemplo clássico de cristianismo influenciado pelo movimento de Nova Era. Cristãos passam a usar o nome de Deus e de Jesus como se fossem uma fórmula mágica, que realiza e concretiza o que o pensamento positivo construiu e formou.
Outra prática de Nova Era, que influencia a igreja, é a projeção astral: arrebatamentos ao céu e ao inferno, viagens espirituais em naves fabulosas, passeios místicos ao mundo celestial e invisível são, em muitos casos, grosseiras imitações da projeção astral ou da “visualização” feita pelos bruxos da Nova Era, trazendo enorme confusão entre os cristãos e ênfase exagerada nesse tipo de experiência, deixando de lado a firmeza na bíblia sagrada, a palavra de Deus. A visualização é um método de sedução, que está conduzindo muitos cristãos para a apostasia. O povo brasileiro é muito inclinado ao misticismo, em parte, devido à influência do espiritismo. Ao surgir literatura evangélica ensinando que é necessário ter visões, sonhos, viagens espirituais ao céu ou ao inferno para a concretização de desejos, o campo torna-se bem fértil para aceitação de heresias pagãs. Não encontramos, em nenhum lugar do Novo Testamento, qualquer ensino que devamos procurar visões e sonhos para concretizar nossos desejos. Esses fenômenos de viagens espaciais ao além têm mais a ver com a seita anticristã newageriana do que com a Bíblia. Vai ser um grande desafio para a Igreja enfrentar essa batalha, mas a Palavra de Deus permanecerá para sempre e as heresias que atingem a igreja serão, por fim, destruídas.
A Igreja do novo milênio precisa voltar ao tempo do Novo Testamento e dos pais eclesiásticos. Naquele período, a força motriz da igreja consistia na missão, a qual era focalizada em alcançar o mundo fora da igreja. A estrutura eclesiástica era simples e centralizada na comunidade local. O clero tinha por função capacitar os leigos e ensinar-lhes a Palavra de Deus. O nível de participação dos membros era elevado e informal. Na Igreja do final do século XX, a força motriz passou a ser a tradição cristalizada de vinte séculos. A missão da Igreja passou a ser focalizada internamente, ou no buscar o que está longe. A estrutura eclesiástica tornou-se complexa, hierarquizou-se e passou a ser centralizada numa burocracia complexa. Os clérigos passaram a ser ministros profissionais enquanto que os chamados “leigos” passaram a ser passivos em sua participação. A igreja passou a ser formal e dividiu-se em denominações. A igreja precisa, pois, voltar ao modelo do passado, contextualizando-se e focando a comunidade local. Um grande passo a ser dado é com relação ao laicato. O leigo deve se tornar ativo, participante direto da vida da Igreja com seus dons e talentos.
O pastor ou a pastora do novo século deve estar em sintonia constante com a cultura que está a sua volta; ele deve sempre fazer uma leitura crítica do ambiente e saber discutir sobre os diversos ramos do conhecimento. Deve ser uma pessoa flexível, mas que tenha convicções cristas inabaláveis. O líder cristão do novo milênio precisa ser hábil na comunicação, deve relacionar- se muito bem com as pessoas, deve ter a visão de grandes empreendimentos e ter a capacidade de assumir possíveis riscos. Além de ser uma pessoa íntegra e piedosa, deve estar sempre se reciclando, aperfeiçoando sua capacidade pastoral e administrativa.
Sem dúvida, estamos diante do maior desafio já enfrentado pela Igreja. Ela precisa de lideres e teólogos de visão para a grande virada do milênio. Precisamos de lideres que sejam segundo o coração de Deus, imbuídos das armas espirituais e de coragem para destruir o tradicionalismo ferrenho em que a Igreja está imersa e, ao mesmo tempo, abrir espaço entre as densas nuvens do pós-modernismo que permeiam o novo milênio. Abençoe-nos o divino Pai para que exerçamos a nossa missão com eficiência e eficácia.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
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FORD, D. F. The modern Theologians. Oxford: Blackwell, 1993. Vol. I e II.
GRENZ, S. Pós-modernismo. São Paulo: Vida Nova, 1997.
MELINSKY, M. H. The shape of the ministry. Norwich: Canterbury Press, 1992.
ROMEIRO, P. Evangélicos em crise. São Paulo: Mundo Cristão, 1995.
SFIAEFFER, F. A. A igreja no ano 2001. Goiânia: APLIC, 1995.
WATKINS, W. D. The new absolutes. Minneapolis: Bethany, 1996. ■
ELEIÇÃO NO ANTIGO TESTAMENTO
Antônio Renato Gusso
Dentre todos os povos da terra, Deus voluntariamente escolheu a Israel para que fosse o seu povo. Este fato é notório no Antigo Testamento e os escolhidos estavam bem conscientes desta escolha. Não é possível notar, em nenhum período da história de Israel, que isto tenha caído no esquecimento. Israel, com razão, sempre acreditou ser o povo escolhido de Iavé.¹ Contudo, parece que a maioria de seus membros não entendeu o real significado desta escolha. Ela trazia, juntamente com os privilégios, as obrigações preestabelecidas por Deus, e estas, frequentemente, tinham de ser relembradas pelos profetas que compreendiam estar a estrutura pactual da vida de Israel ligada ao fato da escolha divina. Deus havia escolhido um povo, e com ele estabeleceu um pacto no qual estavam previstas muitas bênçãos mas, também, muitas obrigações.
A eleição não se esgota em Israel como povo. Deus escolheu, ainda, dentro de seu povo, diversos indivíduos para que cumprissem tarefas específicas. Estão incluídos nesta eleição: Moisés (Sl 106:23), seu irmão Arão (Sl 105:26), sacerdotes (Dt 18:5), profetas (Jr 1:5) reis (1 Sm 10:24) e vários outros, todos segundo a vontade de Deus.
1. A PALAVRA ELEIÇÃO
São duas as palavras hebraicas principais que geralmente são traduzidas por eleição (escolha). Uma delas é a palavra yâda’ ((ÿ7ÿ)), como pode ser encontrada na tradução de João F. de Almeida na Edição Revista e Atualizada, em Amós 3:2: “De todas as famílias da terra, somente a vós outros vos escolhi”. A tradução também poderia, neste contexto de Amós, ser feita pela palavra conheci, assim como outras versões têm optado, significando que Deus conheceu a Israel de forma íntima. Afinal, em outros contextos, ela também é utilizada para demonstrar familiaridade e mesmo grau de parentesco como em Jó 19:14 que descreve parentes e conhecidos: “Os mens parentes me desampararam, e os mens conhecidos se esqueceram de mim”.
A outra palavra, mais importante do que a primeira aqui apresentada pela clareza de seu significado, é o verbo bâbar (XXX) e pode ser traduzida, entre outros, pelos seguintes termos: “escolher, eleger, selecionar”. Ela dá a ideia de selecionar de livre e espontânea vontade a algo ou alguém depois de terem sido consideradas as alternativas como, por exemplo, a escolha de pedras para utilizar na funda (1 Sm 17:40); a escolha de uma esposa (Gn 6:2); o bem e não o mal (Is 7:15); e a vida em lugar da morte (Dt 30:19).
Ela aparece, ainda, em Neemias 9:7 onde é possível ler: “Tu és Senhor, o Deus que elegeste a Abraão”; em Isaías 41:8: “Mas tu, ó Israel, servo meu, tu Jacó, a quem elegi”; em Deuteronômio 7:6: “O Senhor teu Deus te escolheu, para que lhe fosses o seu povo próprio, de todos os povos que há sabre a terra”; em Isaías 45:4 “Por amor de meu servo Jacó, e de Israel, meu escolhido...”, e em muitas outras passagens.
2. O MOTIVO DA ELEIÇÃO
Geralmente, quando se escolhe algo ou alguém, é porque o objeto da escolha possui algumas qualidades as quais o levam a ser escolhido. A eleição no Antigo Testamento, porém, não deve ser vista exatamente por este prisma. Se alguém deseja encontrar a causa da eleição divina, seja de Israel ou de algum indíviduo, deve procurar, primeiramente no próprio Deus, e não nos seres humanos. O que vem a determinar a eleição de alguém, em nenhuma hipótese, são as qualidades do escolhido, senão, apenas a soberania de Deus e o seu amor por aquele que Ele mesmo escolhe.
Os escritores bíblicos viam a eleição de Israel como algo maravilhoso, porém, nenhum deles tentou, de forma concreta, explicar os motivos que levaram este povo a ser escolhido como o povo de Deus. O que pode ser visto sim, é que Israel não possuía nenhum mérito para ser alvo de tão grande distinção.
Deus elegeu Israel não porque era um povo forte; afinal em Deuteronômio 7:7 está registrado que Israel era menor em número do que todos os povos, ou por ser educado, ou quem sabe um povo bom, mas ao contrário, porque ele de fato era fraco, impotente e oprimido. Esta foi a maneira que Deus usou para revelar diversos elementos de seu caráter, como se propôs a revelar. Nesta eleição não havia arbitrariedade. Era a revelação de seu caráter. Nesta escolha não cabiam elementos que viessem a fomentar o amor próprio nos eleitos, ainda que muitos em Israel tenham vindo a se orgulhar desta escolha.
Por toda a Bíblia percebe-se também que não foi Israel quem escolheu ao Senhor, foi o Senhor quem escolheu a Israel e o estabeleceu como uma nação. A fonte desta escolha foi o livre e onipotente amor de Deus. Amor este gratuito e espontâneo, exercido ainda que o objeto do amor não possuísse em si mesmo nenhum merecimento. Não houve outro motivo além do próprio beneplácito de Deus.
Que Israel foi escolhido pelo livre amor de Deus se percebe em muitas passagens, mas ninguém deve esquecer que a escolha de Israel também ocorreu por causa das lembranças de Deus das promessas feitas na aliança com os pais (Êxodo 2:24). Promessas estas que também foram feitas de livre vontade, porque Deus é totalmente soberano em suas ações.
3. O PROPOSITO DA ELEIÇÃO
A Bíblia é clara em mostrar que Deus elege ou escolhe indivíduos ou grupos, para que realizem os propósitos por Ele determinados. Westermann chega a dizer que seria um grande mal entendido se alguém quisesse ver, no fato da eleição, qualquer espécie de privilegio. Para ele, tanto em Deuteronômio 7:1-8 como em Amós 3:2, fica claro que uma interpretação desta natureza é incorreta e a ideia de eleição não deve ser generalizada e vista como se fosse apenas uma fonte de prerrogativas de Israel como povo eleito.
Parece que Westermann exagerou ao afirmar que não se deve deduzir do fato da eleição qualquer tipo de privilegio, a não ser que ele não considere tal relacionamento, tão íntimo com Deus, um grande privilégio. Mas é notório que a eleição de Israel não significa que este povo era o favorito “mimado” de Deus, pois a eleição não é algo que simplesmente confere favor para os eleitos. Ela tem outro aspecto, que é a exigência de algo que simplesmente confere favor para os eleitos. Ela tem outro aspecto, que e a exigência de uma resposta à eleição. Resposta esta em termos de serviços que devem ser prestados. Então, estão lado a lado o grande privilégio da escolha e a pesada responsabilidade da missão.
Percebe-se que Deus tinha como objetivo, ao eleger Israel, a benção e a salvação do povo através do fato de o ter escolhido para si mesmo (Sl 33:12) e, em última análise, para a própria gloria de Deus, o qual usaria Israel para exibir seus louvores para o mundo (Is 43:20 e Sl 79:13; 96:1-10), e para testemunhar as grandes coisas que Ele fez ( Is43:10-12; 44:8).
Para Crabtree, o propósito de Deus ao eleger e separar Israel do mundo foi o de transmitir a mensagem de redenção às nações (Gn 12:2-4; 18:18; 22:17,18; 26:4). O meio de transmitir essa mensagem seria viver de tal maneira, que viesse a atrair as outras nações (Zc 8:22-23). Mas, parece que o povo eleito em geral, nunca se entusiasmou com essa missão e, não poucas vezes, foram lembrados das suas faltas pelos profetas, os quais, com o passar do tempo, entendiam de forma cada vez mais clara que era propósito de Deus estabelecer o seu reino por todas as nações da terra (Is 11:9 e 14:1).
Não deve ser desprezado, ainda, o objetivo que Deus tinha de ter comunhão com o povo escolhido, conforme bem transparece nas promessas de Levítico 26:11-12 onde está escrito: “Porei o meu tabernáculo no meio de vós, e a minha alma não vos aborrecerá. Andarei entre vós, e serei o vosso Deus, e vós sereis o meu povo ”. Por mais incrível que possa parecer, Deus demonstra, por toda a Bíblia, o desejo de ter comunhão com os seres humanos.
4. AS CONSEQUENCIAS DA ELEIÇÃO
As consequências da eleição para Israel foram muitas, mas, basicamente, podem ser divididas em três tipos. A primeira consequência foram as bênçãos advindas da eleição. Israel se tornou um povo santo, separado dos povos para Deus (Lv 20:26b). Passou a ser considerado herança de Deus (Dt 4:20; 32:9-12). Passaram a ser protegidos (Dt 28:1-4) e, por fim, se tornam o tesouro de Deus, sua propriedade peculiar (Êx 19:5). Este foi, sem dúvida, um presente que, de tão precioso que era, não tinha preço.
A Segunda consequência é a de que a eleição envolve obrigações. Isto já foi visto, em parte, no ponto anterior (Os Propósitos da Eleição), quando foi enfatizado a necessidade de uma resposta a base de serviço para a eleição. Mas, além do serviço, a eleição envolve a obrigação de não conformação com a vida do mundo não eleito (Lv 18:1-5 e Dt 14:1-2) e o não desprezar as ordens dadas por Deus, bem como as suas bênçãos (Dt 6:10-15).
A terceira e mais terrível consequência era o julgamento mais severo que estava subentendido na eleição. Em Amós isto está muito claro: “De todas as famílias da terra somente a vós outros vos escolhi, portanto eu vos punirei por todas as vossas iniquidades” (Am 3:2). Os exílios provaram isto, Israel, o Reino do Norte, foi castigado pela instrumentalidade da Assíria e Judá, o Reino do Sul, mais tarde foi conquistado pela Babilônia por não terem se comportado à altura de um povo escolhido por Deus. Assim, o Antigo Testamento mostra que, embora fossem escolhidos por Deus, “qualquer israelita ou grupo de israelitas, poderia perder o seu lugar, entre o povo escolhido, pela revolta contra o Senhor”, que nada mais é do que a desobediência à suas ordens ou preceitos.
Como é possível notar, sem muito esforço pelas passagens bíblicas citadas, as consequências da eleição para Israel estão ligadas ao cumprimento ou não da aliança estabelecida por Deus. Isto chegava até ao ponto, em que, aquele que pecasse conscientemente (com mão alta- Yadh rama), era eliminado do povo do concerto. Ao que parece, a própria aliança era uma consequência da eleição. Deus escolheu soberanamente, tanto indivíduos como grupos, para um determinado fim por Ele mesmo planejado. Com seus escolhidos estabeleceu uma aliança na qual existem privilégios a serem gozados e obrigações a serem cumpridas.
Este tema não diz respeito somente ao Antigo Testamento e à antiga nação de Israel, está claro, pelo Novo Testamento, que a Igreja de Cristo, o “novo Israel”, também é objeto da eleição divina. Deus, em sua soberania, resolveu escolher a todos os que são salvos, pela fé em Jesus, para fazerem parte de seu povo.
Pedro tinha consciência desta posição especial da Igreja e, em sua Primeira Carta, assim escreveu aos eleitos: “Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz, vós, sim, que antes não éreis povo, mas agora sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas agora alcançastes misericórdia” (2:9-10). Cabe à Igreja de hoje abrir os olhos para esta tão maravilhosa verdade: Como corpo, assim como o foi Israel no passado, e individualmente, cada cristão é um escolhido de Deus. Isto deve ser encarado como um enorme privilégio mas, também, precisa ser tratado com toda a responsabilidade devida. A Igreja não foi chamada e escolhida para desfrutar de privilégios egoístas neste mundo mas, sim, para cumprir os propósitos determinados por Deus conforme se encontram em Sua Palavra.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1978. p. 190.
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dicionário da Bíblia. São Paulo : Edições Vida Nova, 1983. v. 1. p. 487.
³ RUST, E. C. A Teologia do Velho Testamento. In: ALLEN, C.
Ed. Ger. Comentário bíblico Broadman: Velho Testamento. Rio de Janeiro- JUERP, 1986. v. l. p. 120.
HARRYS, R. L.; ARCHER, Jr., G. L & WALTKE, B. K. Dicionário
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PACKER, op. cit.
Ibid
REYNOLDS, G. Teologia do Velho Testamento. São Paulo: Departamento de produção de textos programados do Instituto Teológico Batista de São Paulo, 1972. p. 52.
CRABTREE, A. R. Teologia do Velho Testamento. 3. ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1980. pp. 115, 116.
ROWLEY, H. H. La fe de Israel: aspectos del pensamiento del Antigo Testamento. Buenos Aires: Casa Bautista de Publicaciones, 1973. p. 58.
CRABTREE, op. cit. p. 207.
PACKER, op. cit.
DYRNESS, W. Themes in Old Testament theology. Downers Grove, Illinois: Inter Varsity Press, 1979. p. 119.
WESTERMANN, C. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Edições Paulinas, 1987. p.36.
ROWLEY, op. cit. pp. 54,58.
PACKER, op. cit.
CRABTREE, op. cit. p. 207-210.
PACKER, op cit. p. 488.
CRABTREE, op. cit. p. 196.
CRABTREE, op. cit. p. 197.
ROWLEY, op. cit. p. 58. ■
VINHO NOVO É MELHOR
(João 2. 1-11)
Isaltino Gomes Coelho Filho
Na estrutura do quarto evangelho, este é o primeiro milagre de Jesus. No evangelho de Mateus, o primeiro milagre é a cura de um leproso (8.1). No de Marcos, é a cura de um endemoninhado. Em João, é a transformação de água em vinho, num casamento numa aldeia obscura. Em Mateus e Marcos, uma pessoa é curada e uma vida é transformada. Em João, é um acontecimento comezinho, que não modifica vida nenhuma. Um episódio que poderia se chamar de pouco relevante.
Em João 20. 20 -31 lemos que os sinais que estão registrados no quarto evangelho assim foram para que os leitores cressem que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e assim, crendo, tivessem vida no seu nome. A escolha deste evento em sua inserção como o primeiro milagre de Jesus faz parte do plano de trabalho de João. Foi colocado ali premeditadamente. Não é um acidente. Quer dizer alguma coisa. Há uma mensagem na estrutura bem planejada do quarto evangelho e João nos ensina tanto pelo que diz como pela forma que diz. Ensina no conteúdo e na forma.
Mais uma questão: João não usa a palavra “milagre”. Usa o termo “sinal”, como lemos no versículo 11. O termo grego é sémeion, que tem dois aspectos, um demonstrativo e outro expressivo. Ao chamar o evento de sémeion, no versículo 11, João está demonstrando e expressando uma verdade. Ele quer sinalizar alguma coisa. O que ele está demonstrando e expressando vale mais que o evento.
Prestem atenção nos dois limites do evento. Primeiro, a expressão inicial: “três dias depois”. Aumenta o sentido da sinalização a forma como o evangelista inicia o relato. Tais palavras se tornaram expressivas, designando a saída de Jesus da morte, com o que sua autoridade foi completamente manifesta. Depois, como termina: “manifestou a sua glória”. Que estranho! Manifestou a sua gloria num casamento na roça? João fala da glória de Jesus em 1.14, mas de forma mais bem elaborada teologicamente: “o Verbo se fez carne... e vimos a sua glória” (1. 14). Uma expressão limite alude à encarnação. A outra alude à ressurreição. O texto é teológico, portanto.
Feitas estas considerações, fixemo-nos nesta questão: o que significa, na teologia de João, a colocação da transformação da água em vinho como primeiro milagre? Por que João o chama sémeion? Por que João põe estes contornos ao fazer seu relato? Em outras palavras, o que este sinal quer dizer? Para responder adequadamente, vamos analisar três figuras que aparecem na história: o casamento, o vinho e o Messias, que não aparece explicitamente, mas implicitamente, na forma de João montar sua historia.
- A FIGURA DO CASAMENTO
Por que o primeiro sinal aconteceu num casamento?
A figura do casamento está presente nos ensinos evangélicos, como vemos em duas parábolas contadas por Jesus, a das bodas (Mt. 22.1) e a das acompanhantes de uma noiva, chamada impropriamente de parábolas das virgens (Mt. 25.1). Digo impropriamente porque o que está em foco ali não é a virgindade, mas o acompanhamento de uma noiva. É uma figura significativa, a do matrimônio. Era a maior festa na vida de uma pessoa e marcava sua existência para sempre. Era um sinal de sua maturidade a ponto de poder construir uma nova unidade familiar.
Na teologia hebraica, a figura do casamento serviu para registrar o berith, a aliança, entre Iahweh e Israel. O profeta Oséias, por exemplo, estrutura seu livro sobre a figura do casamento iniciado com o êxodo e definido na aliança mosaica. No pensamento hebraico posterior, a festa de casamento passou a ser um símbolo do encontro de Israel com o messias, quando haveria um festim messiânico, como registrado em Isaías 55, no convite para que todos se cheguem e comam e bebam de graça. A vinda do messias seria a restauração do casamento entre Iahweh e Israel, a reafirmação da aliança. Um momento de pura alegria.
Na instituição da ceia do Senhor, embora seja este um evento triste, Jesus fala da consumação do seu reino como um banquete, com vinho sendo oferecido, como lemos em Mateus 26. 29. A figura de uma festa messiânica está presente por todo Novo Testamento. Em Apocalipse 19. 7,8 temos o encontro final do Cordeiro com a Igreja, também retratado por um casamento. Reconheço que estas figuras foram usadas depois do evento de Caná, mas seu uso mostra que a figura era conhecida, fazia parte do pensamento religioso hebreu. Não foram empregadas no éter, sem uma conexão com a cultura e teologia hebraicas. Foram utilizadas porque diziam alguma coisa.
Pois bem, no relato joanino, Jesus começa suas atividades numa festa de casamento. O ensino começa a se delinear: o tempo do messias chegou. Jesus é o messias. O evento de Caná é mais que o simples registro histórico do primeiro milagre de Jesus. No ensino de João, este milagre simboliza a passagem da antiga para a nova aliança. Precisamos prestar atenção neste fato. A glória de Jesus foi manifestada, enfatiza João. Como e por quê? Volto a perguntar: manifestou sua gloria numa festa na roça? Não, há algo mais aqui. Simbolicamente, está surgindo a Igreja porque a nova aliança começa a ser mostrada. No relato há um noivo. Ele aparece. Não se fala da noiva. Ela e omitida. Ela vai ser criada ao longo do Novo Testamento, a esposa do Cordeiro, a Igreja de Jesus.
O primeiro sémeion tinha que ser um casamento porque um dos ensinos fortes na teologia de João é mostrar que Jesus veio para fazer aquilo que Moisés não conseguiu, como no famoso discurso do pão, no capitulo 6. Ali Jesus mostra que Moisés não deu o pão do céu, mas que ele Jesus, é o verdadeiro pão do céu: Em verdade, em verdade vos digo: não foi Moisés quem vos deu o pão do céu; o verdadeiro pão do céu é meu Pai quem vos dá (...) Eu sou o pão da vida; o que vem a mim jamais terá fome; e o que crê em mim jamais terá sede” (Jo 6. 32, 35). Da mesma forma, é com ele que o verdadeiro festim messiânico, que a nova aliança entre Deus e os homens, vai se firmar. O que Moisés não conseguiu trazer, Jesus trará. Ele é o messias que se manifesta numa comemoração de casamento, símbolo do encontro do messias com o seu povo.
2. A FIGURA DO VINHO
O vinho é, nas Escrituras, símbolo da alegria. No livro de Cânticos, está ligado ao amor conjugal, símbolo da aliança. Jesus se faz presente trazendo vinho, a alegria de uma festa de casamento.
Os rabinos haviam desenvolvido uma curiosa alegoria envolvendo os amonitas e Melquisedeque. Em Deuteronômio 23. 3, 4, os amonitas recusaram-se a oferecer pão e vinho aos israelitas. Foram tomados como símbolo dos gentios. Melquisedeque veio ao encontro de Abraão com pão e vinho, em Genesis 14. 18-20. Tornou-se um tipo do messias. O messias, nesta linha de pensamento rabínico, traria vinho para alegrar a vida dos hebreus, na festa messiânica.
O vinho tornou-se, também, símbolo da torah, a lei, nas analogias rabínicas. Assim como o vinho alegrava a vida, a torah alegrava a alma.
Não há vinho em Caná, símbolo da antiga aliança, a mosaica. A antiga ordem não pode satisfazer o homem nem lhe traz a alegria que ele espera. Aparecem, no texto, seis talhas de pedra. Não são talhas para uso domestico, em cozinha, banho ou lavagem de roupas. São para o ritual de purificação cerimonial dos hebreus. As talhas de purificação, na festa de casamento, símbolo do encontro com o messias, estão vazias. A palavra grega usada para o verbo “encher” e gêmizo, que significa encher algo completamente vazio, seco. As talhas não estão parcialmente vazias. Estão secas, completamente secas. A antiga aliança secou- se. As talhas são de pedra. A lei de Moisés foi escrita em pedra. As talhas são seis e não sete. Até isto tem sentido. Seis é o número da imperfeição. Tanto que o número da Besta é 666. Tudo mostra que a antiga ordem é desnecessária porque não tem mais o que oferecer aos homens. A antiga aliança está sem condições de trazer alegria para os homens. Ela teve seu tempo. Passou e um novo momento vai começar agora.
Vivemos dias delicados no movimento evangélico. Caminhamos para um período pós - denominacional. Reconhecer isto é diferente de desejar isto. Não desejo, mas vejo isto. As pessoas não estão interessadas em denominação. Entre nós batistas, isto é mais grave porque em vez de associar denominação com um conjunto de doutrinas ou um corpo de princípios, associamos com estruturas e instituições, das quais as pessoas andam cansadas. Outro problema é a rejudaização que se vê em nosso meio. Estão tentando trazer as talhas de volta. Assim como a purificação no judaísmo estava associada a regrinhas e à religiosidade humana, tenta-se trazer este tipo de procedimento de volta. Novenas religiosas, com correntes de tantos dias em uma determinada igreja, de preferência contribuindo todos os dias. O ressurgimento de sacramentos, de gestual, de palavras sagradas, da fé reduzida a uma celebração que acontece num determinado lugar, num determinado dia, comandada por uma determinada pessoa. É o ressurgimento do sacerdotalismo da antiga aliança. As talhas estão secas, mas querem sua permanência em nosso meio, ressuscitando o judaísmo, com caravanas a Israel para rebatismo. As talhas estão secas, mas querem seu ressurgimento com areia santa do rio Jordão, com folha de oliveira ungida do monte das Oliveiras, com água ungida do Jordão, com sal grosso do mar Morto para afastar maus espíritos. Tentam trazer as talhas de volta com as bugigangas neo e baixo - pentecostais.
Talhas secas são indício de festas sem vinho. Não há aliança com talhas. Não há purificação, não há realização, não há o messias na antiga aliança. O sacerdotismo que hoje se tenta ressuscitar, com a figura do homem ungido, com poderes especiais que os demais não têm, com um acesso a Deus que os demais não têm, com uma oração poderosa que os demais não têm, acabou. Não há porque ressuscitá-lo. “Ora, todo sacerdote se apresenta, dia após dia, a exercer o serviço sagrado e a oferecer muitas vezes os mesmos sacrifícios que nunca jamais podem remover pecados” (Hb. 10. 11). Não há por que ressuscitar o judaísmo, não há espaço para o neojudaísmo que se vê em nossa teologia. As talhas estão secas, a aliança do passado acabou, o tempo pré-messias se esgotou. Só a nova aliança pode satisfazer o homem: “Jesus, porém, tendo oferecido, para sempre, um único sacrifício pelos pecados, assentou-se à destra de Deus (...) porque, com uma única oferta aperfeiçoou para sempre quantos estão sendo santificados” (Hb 10. 12, 14).
O evangelho corre, hoje, o risco de uma rejudaização em forma e em conteúdo. É preciso que nos centremos na nova aliança, na doutrina do sacerdócio universal de todos os salvos, que todos têm acesso a Deus e os mesmos direitos espirituais, que a venda de indulgências, que se verifica no cenário evangélico, hoje é uma deturpação da graça de Jesus e um retorno aos momentos pré - Reforma. As talhas da aliança passada estão secas. Não temos que nos prender às nossas raízes judaicas, como querem alguns. Temos que nos prender às nossas raízes neotestamentárias, aferrar-nos à mensagem da graça e da fé, do Deus que salva os que creem em Jesus Cristo; a mensagem que apregoa a necessidade de arrependimento e fé. Não há cerimônias, não há rituais, não há novenas nem correntes. É graça, é fé, é o sacerdócio universal de todos os crentes.
3. A FIGURA DO MESSIAS
Jesus está numa festa de casamento. É o messias, que supera Moisés. João 1.17 diz que “a lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo”. Ele é o pão que desceu do céu, que Moisés não deu, mas o Pai dá aos homens (Jo. 6. 31-33). O vinho não está nas talhas de purificação do judaísmo. O vinho vem com ele, com um gesto seu. Isto é significativo: ele traz a torah. Ele traz o verdadeiro ensino. As talhas estão ali, secas, completamente vazias. Ninguém pode enchê-las, só ele pode fazer isto. Só ele purifica, só ele traz a alegria e a realização espiritual. Só ele pode tornar o banquete messiânico real. Sem sua presença, a festa seria um fracasso. Ele é o pão e ele é o vinho. Ele é o alimento. Ele é a razão da festa. Ele tem um vinho superior. O mestre - sala é um profundo conhecedor de vinho. Conhece bem os vários tipos desta bebida. Ele prova os dois e diz que o segundo vinho é melhor. O vinho de Jesus, a torah de Jesus, o ensino de Jesus, é melhor que o vinho da antiga aliança, que, alias, já acabou e deixou as pessoas frustradas. Quem diz isso é uma pessoa que provou os dois.
As talhas da antiga aliança estão vazias. Só há purificação em Jesus, não mais em rituais sacerdotais. Ele limpa, ele purifica: “Vós já estais limpos pela palavra que vos tenho falado” (Jo 15.3). Quem sabe se lavou pela sua palavra, não precisa mais de banho: “Quem já se banhou não necessita de lavar senão os pês; quanto ao mais está todo limpo” (Jo 13.10). Ele limpa a vida para sempre. Não há necessidade de ritual de purificação. Ele fez isso de uma vez por todas, no Calvário. Não há benção fora dele. Não há salvação fora dele. Não há realização espiritual fora dele. Não precisamos mais das talhas do passado. Ele não tem ligação com o sistema do passado. O vinho não estava na talha e a água não foi tornada em vinho dentro da talha. Não é a talha que está em cena, é a ação de Jesus. É a sua palavra, a sua ordem. Não há como compatibilizar os dois nem como remendar nenhum dos dois. O sistema passado caducou, o novo se levanta e prevalece.
Ele manifestou a sua glória, mostrando que as coisas antigas passaram e que uma nova ordem estava começando. “Se alguém está em Cristo, nova criação é; as coisas velhas já passaram e eis que tudo se fez novo” (2 Co 5. 17). O evangelho é o vinho novo que é melhor que o vinho velho, que é o judaísmo. A graça e a verdade que ele veio trazer são melhores que a lei de Moisés. Por isso, nada de regrinhas, de complicados sistemas religiosos, de mortificações, de retorno ao passado sacerdotal. Jesus desburocratizou a religião. Não sacerdotes de autoridade exclusiva. Todos são sacerdotes na nova ordem. Não há sacramentos. Não há palavras mágicas, não há ritos mágicos e nem cultos mágicos. Devemos dizer não a rejudaização e a recatolização que nos assolam. O evangelho traz esta mensagem: cada um de nós está diante de Deus, próprio sacerdote. ■
CONCLUSÃO
Podemos recusar o rótulo de protestantes. Pessoalmente, sempre achei esta discussão meio ociosa. Mas devemos nos prender à mensagem da Reforma: só a graça, só a fé, só Cristo, só a Escritura. Não às revelações de homens e mulheres especiais, não ao profetismo veterotestamentário, não ao sacerdotalismo judaico, não à clericalização de nossas igrejas. Não à adição de qualquer coisa a Cristo.
Sim ao sacerdócio universal de todos os crentes. Sim ao profetismo universal de todos os crentes. Sim à graça. Sim ao evangelho. Sim à simplicidade. Sim à revelação completa em Jesus. Chega de insistir com as talhas. Elas estão secas e não têm água, muito menos vinho. Jesus é o vinho de Deus. Ele basta. Por isso, sim à suficiência de Cristo. Precisamos reafirmar isto com todas as nossas forças: Cristo basta. Preguemos com todo o nosso vigor a suficiência de Cristo. Rejeitemos com o mesmo vigor toda e qualquer tentativa de trazer as talhas de volta. Somos cristãos e não judeus. Alguns cristãos parecem ter vergonha de serem cristãos. Gostariam de ser judeus. Usam até o chapeuzinho de judeus. Isto porque o raciocínio teológico de alguns é assim: quando Israel rejeitou a Jesus, Deus ficou perdido, desculpem a expressão vulgar, “no mato sem cachorro”, precisando de um povo. Então escolheu a igreja, como um par de muletas. Recebemos as sobras do amor de Deus. Estás errado. A Igreja foi escolhida desde a eternidade (Ef 1. 4) e entrará na eternidade. Ela veio da eternidade, entrou na história, e voltará para eternidade. Ela é fantástica. É a única instituição antes e pós - história. Israel era o rascunho e a Igreja, o projeto final. Deus não salva por etnia nem por ato cirúrgico. Deus só salva crentes em Jesus Cristo. Israel precisa se converter a Cristo para ser salvo. Somos a verdadeira descendência de Abraão, pela fé. Somos filhos de Deus porque Jesus Cristo perdoou nossos pecados e nos ligou ao Pai para sempre. Amarremo-nos à graça, amarremo-nos à cruz de Jesus, amarremo-nos à simplicidade do evangelho: Jesus Cristo, poder de Deus para salvação de todo aquele que crê. ■
Uma reflexão sobre a teologia bíblica de missões no contexto evangélico brasileiro da atualidade
Uipirangi Franklin da Silva Câmara1
O desafio do apóstolo Paulo em Romanos 10:14: “... E Como ouvirão, se não há quem pregue?” Romanos 10:14. Além de um chamamento, torna-se um apelo à reflexão. O Evangelho precisa ser anunciado, o mundo precisa conhecer Cristo, Deus precisa fazer parte da vida humana. Mais que fazer uma exegese do que Paulo diz nesta passagem, a questão urgente é: como entender a mensagem do evangelho e até o próprio evangelho no mundo atual, com uma nova maneira de pensar, de agir, novos valores. O que realmente é servir a Deus, ou fazer sua vontade, ou mesmo aceitar o evangelho? Qual a base de sustentação do que conhecemos como fazer missões? Quais os fundamentos? Quais as abordagens corretas? Estamos verdadeiramente preocupados com esta questão enquanto Igreja Evangélica Brasileira?
Somos atualmente quase 6 bilhões de pessoas no mundo. Vivemos uma época de paradoxos nunca antes imaginados. Temos o maior avanço tecnológico da história da humanidade e no quintal, os maiores índices de pobreza, de mortandade, de enfermidades e descrenças. Falamos de paz e fazemos guerras. Dizemos, por exemplo, que o ser humano precisa fortalecer os laços familiares ao mesmo tempo em que já nem mesmo conseguimos definir o conceito de família. Diga-se de passagem, que hoje, necessariamente, não é composta de homens e mulheres, mais de duas pessoas que se amam (não importando o sexo). Buscamos a integração entre o exterior e o interior, e cada vez mais estamos divididos.
Temos uma nova meta em termos de humanidade: O mar já não existe. O que conhecemos hoje como globalização, a cada dia, é um processo mais e mais avassalador. Como dizem alguns, o mundo é uma aldeia global. O anseio por uma única economia, uma linguagem comum, um ideal único para a humanidade, já não faz mais parte de livros de prognosticadores, mas uma realidade cada vez mais presente.
Os escritores John Naisbitt e Patrícia Aburdene descrevem o renascimento religioso como uma das características predominantes no homem do terceiro milénio. Esse renascimento é marcado por uma espiritualidade sem religião organizada, fortalecido pela frustração com a ineficácia da ciência e tecnologia em possibilitar um significado à vida. O homem está fascinado com a “descoberta” do seu lado “não racional”. Não basta ir longe para descobrir que ambos acertaram em seu prognóstico (ou leitura da realidade). A mídia encarrega-se de dar-lhes razão quando noticiam os reflexos da nova espiritualidade em todos os cantos do mundo. Espiritualidade e Irracionalismo parecem sinônimos na vida do homem moderno quando na expressão do sentimento religioso. Basta ver os suicídios físicos e mentais observados nos Estados Unidos, Japão, Índia, África e principalmente aqui no Brasil.
O que nos impressiona, no entanto, é a convivência desastrosa entre o crescimento da espiritualidade e o avanço tecnológico, científico, balizados por um acesso à comunicação nunca antes visto desde babel. O homem moderno se ufana de atingir o mais alto índice de “racionalidade”, traduzido em avanço tecnológico, desde a sua criação e apesar disso, continua caindo no engodo mais antigo de sua vida: uma espiritualidade dissociada da razão/revelação. Esse encantamento é tão notório que escritores como Pietro Ubaldi, por exemplo, chegam a propor uma nova sociedade para o terceiro milénio com base numa síntese do conhecimento científico-filosófico capaz de abrigar sob seu guarda-chuva os diversos fenômenos do campo cientifico, moral e social. Alguns chegam até o ponto de encontrar na Tecnologia um meio de transformar o mundo “carregado de ambivalências” como é o caso, por exemplo, de Joana Sancho.
O problema do homem moderno perpassa o nível do sentimento religioso e atinge a integridade de sua vida quando da expressão desse sentimento. Não se diz mais que a religião é coisa do camponês ignorante, que instigado pelo ópio foge da realidade. O sentimento religioso é globalizado, total, único, embora, tristemente marcado pela irracionalidade e superficialidade. Sozinho, numa experiência religiosa puramente estética, o homem religioso perde a capacidade de desenvolver temas relevantes para o desenvolvimento de sua fé, para a construção de bases seguras, confiando puramente no engano do coração. O que nos resta perguntar é o motivo pelo qual, no Brasil, cresce uma busca por uma espiritualidade fora da esfera das religiões organizadas. E o que é pior é ver na Igreja Evangélica Brasileira os mesmos reflexos observados na sociedade como um todo. Vejamos bem o exemplo da difusão do respeito pela individualidade, direito de escolha e liberdade. Dentro deste contexto, o que conhecemos como evangelização passa a ser conhecido como intolerância religiosa ou beataria, como crê, por exemplo, o Hinduísmo reformado.
Uma Igreja que vive em função do sensitivo, embora articule qualquer esboço doutrinário, deixa de tratar de pontos essenciais à sua singularidade. Igreja é um organismo espiritual, tem uma função e um propósito. Enquanto se discute onde Deus “opera mais” corre-se o risco de perda do referencial. Quais são realmente as questões relevantes em termos existência, de mensagem e do que comunicar? Onde está o nosso foco? O perigo já não mora ao lado, já é nosso hóspede. Corremos o risco de ser uma grande rede de serviços a mercê do homem moderno. Temos até mesmo medo do PROCON.
A lógica deveria ser a seguinte: “Onde se experimenta mais de Deus, mais se tem o compromisso de falar dEle”. Não é isso o que está acontecendo. Um exemplo clássico de confusão de termos e de incompreensão bíblica é o que ocorre em nosso país quanto a missões. Ted Limpic observa com propriedade ao tratar do envio de missionários, apenas uma das facetas do que acontece na prática da Igreja, fora dos discursos missais:
“(...) A posição teológica das agências enviadoras brasileiras é digna de comparação com a natureza fortemente Pentecostal da Igreja Evangélica Brasileira. As estimativas são de que pelo menos 70% dos evangélicos brasileiros têm orientação pentecostal ou carismática. Contudo apenas 18% dos missionários brasileiros são enviados por agências ou secretarias denominacionais de convicção pentecostal.”
Temos ainda um conceito missionário? Qual é a base bíblica correta para se fazer missões? É salvar o mundo, alegrar o coração de Deus, Glorificá-lo ou simplesmente sermos obedientes? Não tenho pretensão de, neste esboço de uma Teologia Bíblica de Missões, ser original, descobrir uma nova ideia, ou mesmo combater qualquer uma já existente e nem tampouco fazer um sermão missionário.
Além de aprofundar os reflexos da modernidade sobre o conceito e envolvimento missionário da Igreja Evangélica Brasileira, meu objetivo é desenvolver uma Teologia Bíblica de Missões que leve em conta a nova situação do mundo: Um mundo sem fronteiras. A situação da Igreja: Uma Igreja com mensagem, mas ao mesmo tempo perdida na comunicação, e o sempre desejo de Deus: fazer parte da vida do homem.
O livro de Gênesis responde a uma das maiores inquietações do homem moderno: somos ou aparecemos? Aparecemos como produto de uma evolução natural ou fomos criados? Planejados cuidadosamente ou mero acaso do processo evolutivo? Independente da linguagem que o autor de Gênesis usou para ilustrar as verdades apreendidas oralmente, e por mais que pareça fácil, é justamente aqui que encontramos as verdades mais fundamentais acerca do propósito de Deus para o homem e para o mundo.
A Dra. Louise Brown, cientista da Nasa, numa palestra em 1999 no Seminário Teológico Batista do Paraná, ao ser questionada sobre a possibilidade de, em suas pesquisas, ter encontrado algum indício da existência de Deus, respondeu categoricamente: “Eu não creio em Deus por causa de algum indício (prova) científico que tenha verificado ou descoberto, creio em Deus porque a Bíblia me afirma a existência dEle”. Esse foi o mesmo entendimento do autor de Gênesis. A declaração é clara e inequívoca:
No princípio, criou Deus os céus e a terra. (Gn 3:1)
A partir da narrativa bíblica, o universo tem um princípio: foi criado por Deus. Os versículos seguintes não realçam apenas a figura do criador, mas um princípio inteligente propósito em toda a sua obra. A narrativa bíblica divide a criação em períodos, deixando às claras uma ordem na criação e usa a expressão - viu Deus que isso era bom-para não deixar dúvidas de que Deus havia acertado em tudo o que criou, inclusive o homem.
O que os missiólogos comumente afirmam como o mandato cultural, expressa mais que uma ordem de Deus, é na verdade a declaração do sentido da presença humana na terra e seu relacionamento para com ela:
E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, encheia terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céus e sobre todo animal que rasteja pela terra.(Gn 1:28).
O passo decisivo na história da criação da humanidade encontra-se no diálogo entre Deus e o homem, com uma ênfase principal num balizamento (parâmetro) para a vida humana:
E o Senhor lhe deu essa ordem: “De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás.” (Gn 2:16,17.
A grande questão que surge neste momento da narrativa da criação do homem, é o fato de que mesmo sendo criado à imagem e semelhança de Deus, de alguma maneira, poderia perder a grande parte do possível significado da palavra imagem em sua vida, e consequentemente seria isolado da presença, convívio, conhecimento de Deus, tão fundamentais para sua sobrevivência na terra. Essa declaração é clara na expressão: certamente morrerás (Gn 2:17).
A opção do homem, e é importante frisar que foi uma opção. E opção é uma tomada de posição entre duas alternativas, foi a de viver sem levar Deus em consideração. Deslumbrado pela possibilidade de dominar sozinho todo o universo, o homem cede à sedução maligna e desobedece a Deus (Gn 3:1-6). Consequentemente experimenta a morte e coloca a mercê da morte toda a natureza, que sem possibilidade de fazer qualquer escolha, dependia exclusivamente do homem, pois a ele foi confiada. Uma coisa fica bem clara em Gênesis: Não há vida à parte de Deus.
A escolha do homem gerou ao longo da história suspeitas de que Deus havia errado na sua criação, ou na pior das hipóteses apostado errado. Como conciliar a declaração de que tudo que Deus havia feito fora perfeito, com a desobediência daquele que justamente foi criado com diferencial na natureza (feito à sua imagem e semelhança)? Larry Pate, escrevendo sobre a missão transcultural da Igreja, diz que Deus havia previsto a possibilidade do homem pecar e mediante essa “previsão” proveu uma solução:
“(...) Seria justificável que Deus destruísse a todos os rebeldes ou parte deles. Mas ele havia previsto a possibilidade do pecado e ideado um meio para resgatar o homem.”
Carriker não trabalha com a palavra “previsão” quando trata da reação de Deus frente ao pecado do homem. Pelo contrário, usa de forma contundente a expressão Soberania de Deus. Muito mais que demonstrar um Poder que cumpre a revelia o que bem deseja, Carriker afirma que os propósitos imutáveis de Deus se cumprirão. Há uma clara diferença entre previsão do que pode acontecer e uma soberania que sabe o que vai acontecer e já se antecipa “abstrata” e historicamente:
“(...) Mesmo assim, apesar da introdução do pecado no mundo, em hipótese alguma a soberania e o controle de Deus são comprometidos. Assim que o homem caiu, Deus asseverou Sua soberania e pleno controle da história.”
Em sua soberania, Deus provê um meio de restaurar o homem à sua posição original e então retomar o propósito de sua existência no mundo. Esse meio, conhecido teologicamente como Redenção, palavra de missiólogos, o seu núcleo aqui. Na expressão usada por Deus em Gênesis 3:15 - e este te ferirá a cabeça - surge o termo proto-evangelium. Aqui muitos colocam o marco inicial do movimento de missões.
Concordando que aqui seja o ponto de partida para missões, a pergunta central é: o que realmente temos que dizer ao homem e qual a nossa motivação para dizê-lo? Mais que tentarmos descobrir verdades, tateando no escuro, é preciso entender qual é a vontade de Deus. E pelo menos numa coisa todos concordam: só podemos entender as verdades de Deus se Ele mesmo as revelar. A revelação como ato de Deus fazer conhecido ao homem sua pessoa, planos e propósitos, apresenta-se inicialmente em duas vertentes principais: A Revelação Geral - Deus é manifestado a todos os homens, em todos os lugares pelas sobras da natureza, pela consciência moral, pela providência universal (Sl 19:l; Rm 19:1). Revelação essa que tem de imediato o intuito de fazer Deus glorificado e conhecido pelo homem, oferecendo base moral para a organização da vida na sociedade e preparando o homem para entender e buscar a Deus, conhecendo assim sua vontade.
A outra vertente da revelação de Deus, chama-se Revelação Especial. Distinta caracteristicamente da primeira por ser uma revelação identificável historicamente. E por este motivo, traz a tona uma verdade mais completa e essencial. Alan Richardson difere ambas da seguinte maneira:
“(...) a primeira não é histórica, e o seu conteúdo não é comunicado à humanidade por meio de situações históricas particulares, mas independe muito dos acidentes de tempo e lugar; ao passo que a revelação especial é histórica, i.é., adstrita a certa série de personagens e acontecimentos históricos, por cujo meio é comunicada à humanidade.”
A revelação não apenas mostra o objetivo de Deus, como também, o seu caráter justo, bondoso, misericordioso e imparcial (Romanos 3:21-23). A revelação do caráter de Deus, em si, já resolve muitas questões pendentes, tais como a morte do homem, sua vida sem rumo, etc. Mas há algo que não podemos esquecer e que deve nos incomodar profundamente: Deus é quem inicia o processo de reconciliação (João 3:16). E quando Deus fala de redenção em Génesis 3, muito mais que um plano de última hora, mostra seu eterno propósito: Ele já havia preparado tudo mesmo antes do pecado do homem.
Stott disse certa vez que a história não é um fluxo de acontecimentos ao acaso, pois Deus está executando no devido tempo um plano que Ele concebeu na eternidade passada e que será consumado na eternidade futura. Em Cristo, Deus revela toda a plenitude de seu Ser (Colossenses 1:19;2:9).
E o que de básico Deus tem revelado? D.A. Carson em seu livro The Gospel According to John, EERDMANS, 1991, trata do que ele chama de Replacement (reposição). Ou seja, que as figuras do Velho Testamento apontam para Cristo ou em outras palavras, tem nEle o seu cumprimento. Por exemplo: Cristo é a serpente de Deus, O Templo de Deus, etc. Simplificando, o Novo Testamento não muda a mensagem original de Deus, pelo contrário enfatiza-a novamente e na mesma direção: Glória de Deus. A própria relação entre a trindade, explicada por Jesus em João 14, enfatiza a mesma coisa: Glória de Deus. Então, diante de disso perguntamos: O que falta em nós? O que uma Teologia Bíblica de Missões tem de ter em seus pressupostos?
A mensagem bíblica precisa ter um impacto muito mais profundo que imaginamos no mundo de alta tecnologia em que vivemos. Enquanto o “homem científicus” busca desesperadamente descobrir a origem do universo e o sentido da vida, Deus se antecipa e diz: Estou aqui. E é justamente na atitude do homem e na resposta de Deus que encontramos um dos maiores desafios missionários da atualidade: o fato de Deus não fazer parte do mundo do homem moderno, muito embora, esse homem viva desesperadamente a procura de um sentido para vida. E o maior problema é que o homem se considera a figura central. Todas as coisas convergem em sua direção. O que é pior, é o fato desta declaração estar influenciando grandemente a maneira de se fazer missões. Há em alguns a sedução de fazer apelos missionários da seguinte forma: “aceite a Jesus, por favor, senão Ele vai continuar chorando por você.” Aqui reside o problema. O homem precisa de Deus. Não importa quão moderno ele seja. Enquanto não entendermos que a busca por Deus tem de ser a meta da humanidade estaremos perdidos em relação à vida, e muito mais em relação ao ser Igreja.
Deus faz uma declaração tremenda em Isaías 49:3: “Tu és o meu servo, és Israel, por quem hei de ser glorificado”. Conhecer a Deus para glorificá-lo, não deve ser apenas a meta da humanidade, mas e principalmente da Igreja, de missões. O homem moderno precisa abrir os olhos não para sua situação, mas para poder enxergar o criador de todas as coisas, para depender dEle, glorificá-lo. Se alegrar nEle. Louvar o seu nome.
Falando sobre este mesmo tema, John Piper com muita propriedade diz o seguinte:
“(...) Se a busca da glória de Deus não for ordenada acima da busca do bem do homem nas suas afeições de coração e das prioridades da Igreja, o homem não estará bem servido e Deus não receberá a honra devida.”
É nesta direção que também segue Jason Butler quando diz que a Igreja tem experimentado o poder, a presença e provisão de Deus quando depende de sua incomparável glória. O que temos percebido não é uma nova ênfase missionária, como tantas outras. E nem tampouco uma nova roupagem para o Evangelho adaptando-o aos anseios do homem moderno. O que temos percebido é uma mudança radical, uma volta aos princípios imutáveis da Bíblia. Apocalipse nos dá uma mostra desta ênfase no seu capítulo 5. Povos de todas as tribos, raças e nações estão diante do cordeiro louvando, glorificando-o. A glória de Deus é o ponto central e o louvor como resposta do homem a essa glória e presença é a essência da mensagem deste livro.
O que a Igreja, portanto precisa fazer não está na esfera do planejamento. E muito menos na ação evangelística, isso não significa que ela não tenha que fazer revisões em sua estrutura e nem mudar sua forma de culto. O louvor a Deus é a grande resposta da Igreja ao homem moderno. Quando em Gênesis 12, Deus se revela a Abrão, desafiando-o a abençoar, diz a ele também: Sê tu uma bênção. E em nossa compreensão é impossível ser bênção sem experimentá-la antes na vida. E é justamente isso que Deus faz na vida de um homem.
Novamente Piper nos diz:
“(...) Mas louvor é também o combustível de missões. Paixão por Deus no louvor precede a pregação oferecendo Deus aos outros. Não é possível recomendar aquilo que não é valorizado.”
A questão de comunicar Deus ao homem sempre foi um grande problema, quando a Igreja não sabia exatamente o que comunicar. Isso, não em termos de mensagem, mas em termos de vida. Não estamos falando em termos de teoria, mas de motivação de vida. Onde não há vida com Deus não poderá haver vida em Deus.
Caio Fábio num sermão intitulado, Jonas o Sucesso do Fracasso (VINDE, 1995), disse que o problema muitas vezes do Líder é que ele está preso demais aos padrões institucionais e isso limita-o no relacionamento com Deus. O exemplo que ele dá é o de Davi quando dança após ter trazido a arca para Jerusalém e é questionado por sua mulher, dizendo que isso não é papel de rei. Ou seja a expressão de Louvor a Deus foi reprimida por uma preocupação maior com o padrão que a Instituição exigia (II Samuel 6).
Diante de todas estas considerações é mister uma Teologia Bíblica de Missões que seja fruto de um desejo intenso de levar as nações a glorificar o nome de Deus e mais que isso, fruto de um povo que adora, glorifica o Senhor.
Deus precisa fazer parte, não apenas do coração do homem, mas dos conceitos do mundo, da forma de ver, pensar e por que não de projetar. Nem sempre é fácil. O primeiro passo, no entanto, começa com a compreensão da Igreja, com seus conceitos e sua motivação estruturadas nos princípios bíblicos.
Cabe também ao pastor, evangelista, missiólogo, missionário e a própria Igreja assumir um papel não de meros repetidores de informações, mas e pelo contrário, comunicadores da Graça de Deus. Comunicação envolve mais que ideias teóricas e maravilhosamente concebidas. Comunicação envolve vida. E vida, como sabemos, torna-se abundante com Jesus e na presença de Deus.
Sõren Kierkegaard dizia que Cristo se servia das circunstâncias exteriores menos significativas para expressar as mais profundas consequências de sua doutrina. Isso era como uma sátira aos filósofos que usavam toda uma pompa em seus discursos para expressar causas insignificantes.
Não podemos repetir esses erros. ■
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. BUTLER, Jason. A Biblical Theology OF Missions. Cópia Experimental, 1998.
2. CARRIKER, Timóteo. Missão Integral da Igreja, uma teologia Bíblica. Sepal. São Paulo: 1992.
3. CARSON, D. A. The Gospel According to John. Eerdmans,Usa:1992.
4. COPELAND, E. Luther. El Cristianismo Y Otras Religiones. Casa Bautista de Publicaciones: 1977.
5. KIERKEGAARD, Sõren. Diário íntimo. Buenos Aires: Santiago Rueda, 1995.
6. LIMPIC, Ted. Valioso Demais Para Que Se Perca. William D. Taylor (Ed). Londrina: Descoberta Editora, 1998.
7. NAISBITH, John. Megatrends 2000 /John Naisbitt, Patrícia Aburdene. São Paulo: Amana-Key, 1990.
8. PATE, Larry D. Missiologia a missão transcultural da Igreja. Ed. Vida, Miami, 1987.
9. PETERS, George W. A Biblical Theology Of Missions. Moody Press, USA: 1981.
10. PIPER, John. Let The Nathions Be Glad! The supremacy of God in Missions. Baker Books, USA: 1995.
11. RICHARDSON, Alan. Apologética Cristã. JUERP. Rio de Janeiro.
12. SANCHO, Ivana Maria (org.) Para Uma Tecnologia Educacional. Porto Alegre: Artmed, 1998.
13. UBALDI, Pietro. A Nova Civilização do Terceiro Milénio. Rio de Janeiro: Fundação Pietro Ubaldi, 1982. ■
REPENSANDO O PROCESSO DE
ENCAMINHAMENTO DO VOCACIONADO
À ORDENAÇÃO PASTORAL
Fernando de Oliveira Cintra
Esta reflexão deve abordar três aspectos. O primeiro, concernente ao envio do candidato ao ministério pastoral aos Seminários. O segundo, sua experiência ministerial enquanto aluno do seminário. O terceiro, seu processo de ordenação no que se refere à formação de Concílios, atos de reconhecimento, imposição de mãos e campo de trabalho.
Talvez alguns dos leitores possam pensar que o leque está muito aberto, mas em minha opinião, não se pode tocar em Concílios sem abranger todas as áreas de condução do vocacionado. Por isso, peço aos amados leitores paciência para comigo.
É PRECISO REFLEXÃO
Creio que é muito saudável o olhar crítico sobre nós mesmos. Como diz o Pr. Isaltino Gomes Coelho Filho: A autocrítica não é, necessariamente, uma confissão de pecado ou reconhecimento de que tudo está errado. É mais um desejo de fazer as coisas melhores do que fazemos.
Há, visivelmente, uma crise instalada ao nosso redor. Nossos pastores não estão verdadeiramente habilitados para a boa obra de Deus em Seu Reino. Com esta declaração corro o risco evidente de generalizar uma realidade; por favor, não entendam assim. É que, às vezes, para chamar a atenção sobre um grave problema temos que potencializá-lo, contudo nunca sofismá-lo.
O fato é que, na minha visão, desde o momento em que o candidato decide que é um chamado por Deus, até o fim de todo o processo com a sua ordenação, as coisas são confusas e sabemos que não garantem, nem no mínimo, o sucesso do vocacionado e, principalmente, a segurança da igreja de Cristo.
Há facilidades diversas em todo o caminhar e se espera que, por exemplo, um Concílio bem arrojado, com réplicas e tréplicas, seja um funil para o ministério - isto é uma incoerência ao cubo.
Certa vez, um candidato chegou a mim e disse que era chamado ao Santo Ministério da Palavra. Eu lhe perguntei se a sua igreja o reconhecia como um vocacionado - sua resposta: “Deus me chamou, pastor, eu não estou muito interessado em conhecer o que a minha igreja pensa sobre isto”. Maior surpresa, irmãos, não foi a resposta deste candidato, mas em receber do seu pastor a Carta de Recomendação para a nossa Instituição. Isto é descabível.
Facilitamos todo o processo e depois queremos obreiros com o caráter de Cristo.
O problema de avaliação do vocacionado não está apenas num Ato Conciliar, mas em toda a sua trajetória como vocacionado. Baseia-se na investigação da Noiva de Cristo - A igreja - se aquela pessoa que se diz vocacionada apresenta provas de sua vocação por Deus: se realmente há obediência a uma chamada especial e a consciência disto dando qualificação para o trabalho.
Segundo o Dr. Ebenezer Soares Ferreira, a igreja precisa avaliar o candidato em todo escopo de sua vida percebendo se ele:
a. Tem o dom de Deus;
b. Reconhece que a sua capacidade vem de Deus;
c. Tem uma vida moral ilibada;
d. Sente a grande responsabilidade do Ministério;
e. Está consciente das asperezas do ministério;
f. Está consciente de que lhe é imposta a obrigação de pregar
a mensagem santa; :
g. Está cônscio que precisa ter aptidão para ensinar;
h. Tem espirito de renuncia e sacrifício;
i. É um real convertido.
Às igrejas e aos pastores cabe esta responsabilidade de descobrirem os verdadeiros vocacionados por Deus e encaminhá-los às instituições teológicas. Eles precisam primeiramente ser provados. Precisam passar por um período probatório. Infelizmente, há igrejas que tem recomendado aos seminários, candidatos que não tem experiência segura quanto à vocação, pregaram algumas vezes, agradaram, mas no conjunto, podia-se verificar que não eram, realmente, vocacionados. Formam-se e porque concluíram o curso teológico, acharam que deveriam ser consagrados, como se a consagração fosse uma varinha mágica que transmitisse, momentaneamente, toda a capacidade de que eles necessitavam para o desempenho do ministério. É uma lástima! Por quê? Entre várias razões fico com 1 Tm 3.6 “O obreiro não seja neófito para que ensoberbecendo não caia na condenação do Diabo”.
E o que falar do papel das instituições teológicas na formação dos vocacionados? Aqui me associo aos que precisam de confissão.
Embora saibamos que a instituição desempenha um papel de grande importância na formação do estudante, precisamos saber ao pé da letra que formação é esta. Conhecemos instituições - não julgamos inconsequentemente, mas com conhecimento de causa - que nada influenciam relevantemente porque sua área de influencia está na questão puramente intelectual, o que resulta no mercado uma grande quantidade de pastores com uma massa encefálica enorme, mas com um coração e espírito atrofiados. Fico pensando o que realmente queremos dos nossos púlpitos? Gente puramente intelectual? Conheço muitos alunos que são gênios, mas que estão longe de Deus até bem mais perto do Diabo, pasmem!
O principal trabalho de uma instituição teológica, ao contrário do que muitos pensam, e me perdoem se vou decepcionar alguns, é produzir santos, como uma extensão da própria igreja - não tenho tempo para ficar discutindo limites de ação - como amigo da noiva ajudo a noiva. As qualidades devem ser os referidos binômios: piedade e erudição; encorajamento e senso crítico.
A busca pela qualidade total deve resultar na formação do caráter de Cristo em nossos obreiros. A publicidade deve ser:
vitalidade espiritual, vida espiritual ativa e frutífera dos professores, pastores que fazem diferença em suas igrejas e na região e não a quantidade de cursos e títulos de alguém ou os anos de experiência dos nossos docentes.
É fácil formar intelectuais; o difícil mesmo é formar servos - é servir. Aliás, há uma onda nas Faculdades de formar “Profetas”, mas seria muito bom se formassem, principalmente, “servos”.
O que estou querendo dizer com todas estas palavras é que as Instituições, em sua grande maioria, não procedem assim, facilitando a vida vocacional dos seus alunos. Assim como na igreja há facilidades para estes, nas Instituições acontece a mesma coisa. É um processo repetitivo, completamente nocivo e avassalador.
Saem ministros, mas do que? Talvez, ironizando, da soberba, da amargura, da exaltação, do poder... mas precisamos pensar em servos do perdão, das andanças de milhas, da outra face, da cruz - do amor.
No que concerne aos Concílios há facilidades múltiplas. Dependendo do pastor e da igreja ou até mesmo do candidato há perguntas mais fáceis e facilitações diversas, mas o contrário é verdadeiro. Há Concílios que parecem um Tribunal Gregoriano, pronto para reprovar o candidato. A facilidade está em ambos os casos por uma simples constatação. É fácil ser pastor batista. Você pode não ter ministério, pode ser um perdido no tempo e espaço, pode até mesmo ser alguém que não é lá tão moral... mas se você tiver o aceite dos pastores num Concílio você “vira” pastor. Antes de me jogarem numa fogueira da Santa inquisição por estas declarações desejo afirmar que o problema não está com os pastores, mas com uma Denominação que tem sido penalizada com o ônus de manter estruturas que por vezes não são eficientes, mas que se portam de maneira imperial.
O resultado é evidente e é testemunhado a olhos nus: Pastores que criam problemas morais seríssimos nas igrejas; pastores corruptos; pastores que exercem o ofício do pastorado como quem dirige um caminhão sem cuidado algum nas estradas no nosso país. O pior: igrejas completamente desacreditadas do ministério pastoral.
Assim, temos três esferas que facilitam a entrada do Chamado ou Assobiado ao ministério da Palavra: A Igreja, A Faculdade e o Concílio.
Se realmente queremos pensar e mudar, precisamos reagir a esta realidade e tomarmos um posicionamento coerente com aquilo que acreditamos.
MODELOS EXISTENTES
Ao pensar neste trabalho, quis trilhar um caminho não do “achismo”, mas de experiência. Daí, me vali de amigos que estiveram em vários contextos denominacionais espalhados no mundo para que me falassem sobre como acontece em outros lugares o encaminhamento de obreiros ao Pastorado, de revistas e das minhas observações pessoais nas viagens que tenho feito.
O objetivo não é o de cópia, mas o de entendermos que o que temos não é algo inspirado por Deus. É fruto das elucubrações humanas historiadas à partir da cultura do país. É para repensarmos a nossa prática e trabalharmos para uma outra mais eficaz.
CANADA
O obreiro no Canadá pode ser recomendado para ser ministro de três maneiras:
1. Por tempo no serviço da igreja e idade;
2. Por tempo de pastorado leigo;
3. Por ter feito o seminário e ter experiência na igreja.
O processo se dá em dez fases:
1 fase - A igreja estuda as qualificações do candidato que quer ser pastor;
2 fase - A igreja faz uma carta para uma das quatro Convenções existentes no País;
3 fase - O candidato é convidado pela Convenção em sua Assembleia;
4 fase - A Convenção em Assembleia escolhe a Comissão de Exame; Sua composição é de pastores e leigos;
5 fase - A Comissão faz todas as perguntas concomitantemente às reuniões da Assembleia;
6 fase - A Comissão, confirmando a idoneidade do candidato, outorga o parecer à Assembleia.
7 fase - A Assembleia homologa;
8 fase - A Convenção manda uma carta à igreja confirmando ao ministério o candidato;
9 fase - A igreja convoca outras igrejas para o Ato de Consagração;
10 fase - O candidato recebe o nome de Ministro.
Neste modelo há de se ressaltar dois aspectos:
a. A demanda de candidatos é menor do que a nossa;
b. As Convenções é que examinam o candidato.
A meu ver dois pontos são relevantes:
1. As barreiras impostas em todo o processo para o Ministério;
2. A experiência é de suma importância para que uma igreja escreva à Convenção.
ESCÓCIA
Na Escócia o processo é diferente.
1 fase - Quando um Obreiro quer ser Ministro o seu nome vai para uma Comissão de Exame composta por pastores;
2 fase - Durante três dias há o exame do candidato com perguntas diversas;
3 fase - A Comissão, mediante a experiência do aluno, recomenda os anos que ele deve fazer no seminário e as áreas que ele precisa melhor estudar;
4 fase - No último ano do seminário ele começa a pastorear, como seminarista uma igreja pequena, designada pelo Supervisor dos pastores.
5 fase - Ao receber o diploma, seu nome vai para a Ordem dos Pastores;
6 - fase - Sendo aprovado, há uma ordenação e o pastor vai para uma igreja que não tem pastor, geralmente a igreja que ele estagiou.
Neste modelo temos algo bem diferente, mas interessante: O exame por uma Comissão antes do candidato ir ao Seminário. É esta Comissão que mostra as áreas de defasagem e indica ao aluno e ao Seminário as áreas que ele precisa se especializar e o tempo de estudo do mesmo.
Outro destaque fica por conta da experiência que o candidato tem que ter para ir ao Seminário. Ele é examinado antes e não depois.
O exame é feito em três dias e não em três horas - isto é ótimo!
Aqui temos algo comum ao modelo do Canadá - A experiência, neste caso exigida através de uma igreja no último ano de Seminário.
ARGENTINA
O modelo da Argentina é parecido com o modelo brasileiro.
1 fase - O candidato é examinado a pedido de uma igreja local e só é atendido a formação do Concílio se ele for exercer o pastorado;
2 fase - A igreja precisa estar integrada à Denominação Batista;
3 fase - O candidato é examinado em todas as áreas: teológica, eclesiástica, ética, bíblica e etc.;
4 fase - Sendo aprovado há a ordenação.
Alguns aspectos interessantes:
a. O critério para a recomendação do candidato ao pastorado se dá por voto unanime. Vale dizer que os critérios não são tão rígidos, uma vez que a carência de obreiros é muito grande.
b. Concílio e a consagração pode ocorrer no mesmo dia;
c. O presidente do Concílio é sempre o Líder regional (presidente da Associação, lá não se tem Convenção Estadual);
d. É requisito que ele tenha cursado um Seminário ou Instituto
Teológico ou esteja em fase de conclusão.
Três pontos são dignos de nota:
1. O fato de convocar um Concílio somente se o candidato tem um ministério a exercer;
2. A igreja precisa estar filiada à Convenção;
3. O presidente do concílio é o líder da Associação ou da Convenção e não o pastor da igreja.
FRANÇA
Para entendermos melhor como se dá todo o processo de encaminhamento do candidato à ordenação, alguns pontos precisam ser elucidados:
a. Os pastores na França são registrados como funcionários da Federação de Igrejas;
b. Há dois tipos de igrejas: A Igreja da federação e o Posto de Evangelismo.
c. Os estagiários são remunerados pela federação, pois há um fundo comum feito pela contribuição das igrejas do Conselho da federação.
d. Não há na França um Seminário Batista; lá só há Seminário interdenominacional.
e. Os alunos Batistas fazem este Seminário por quatro anos e mais um ano de Escola Pastoral Batista - em módulos.
Os passos são os seguintes:
1° passo - Caso o obreiro deseje ser Pastor, ele precisa ficar 1 ano com o pastor titular - fica como estagiário, além de fazer a complementação de seus estudos na Escola Pastoral Batista ou Instituto Batista de Ensino.
2° passo - Tendo o Curso, o candidato pode assumir uma igreja como estagiário.
3° passo - No final deste estágio, o Conselho da federação o declara Ministro.
Observação: Não há Concílio Examinatório e nem imposição de mãos sobre o candidato.
O ministro é enviado, se for da Igreja Federal, pelo Conselho da federação; se for uma igreja maior, ela mesma pode escolher podendo até ter-se um pastor que não fez a Escola Pastoral.
Talvez um ponto que se deva ressaltar e e comum aos outros modelos ate aqui apresentados e a experiencia do candidato e o estagio deste antes de ser declarado ministro.
CUBA
Em Cuba, o Seminário tem uma ligação muito estreita com a Convenção de Cuba Oriental. Quando o seminarista se forma, a formatura é uma recomendação do seminário. A Convenção o encaminha para uma igreja ou congregação onde ele trabalhará um ano sob a orientação de um pastor como um tutor ministerial. Depois, dependendo do que mostrar, será consagrado.
Aqui, a experiência e o acompanhamento se faz notar.
UCRÂNIA, BIELO RÚSSIA
Nestes dois países, da antiga União Soviética, o processo é bem simples:
1° passo - A igreja escolhe entre os irmãos de testemunho espiritual aquele que se destaca. Geralmente acaba sendo do próprio corpo diaconal.
2° passo - A igreja Consagra o Candidato.
Neste modelo vemos a simplicidade com que se escolhe os pastores. Este modo “sem sofisticação” não é porque eles entendem claramente isto na bíblia, mas é devido a anos e anos de perseguição nestes países proibindo a pregação da Palavra de Deus. Por isso, não há seminários como no Brasil. Os americanos é que estão neste trabalho de formação ministerial. A primeira igreja em Ucrânia já tem um seminário funcionando, mas são poucos os alunos e o sistema é de semanas modulares.
Alguns destaques:
1- O fato da escolha ser essencialmente pela vida espiritual do candidato - isto é, a garantia ministerial da igreja; Não há escândalos como aqui.
2 - Sendo quase sempre um diácono que trabalha na igreja, a experiência está comprovada;
3 - A não existência de Seminários faz com que estes países estejam enfrentando crises enormes na área ministerial do ponto de vista da visão, aconselhamento, conhecimento para lidar com novas situações. A igreja Ucraniana e Bielo Rússia é a nossa na década de 20.
BRASIL
Consideremos agora o que acontece no Brasil conforme documento oficial da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil sobre Concílio e Consagração de Pastores.
1. A tarefa de separar homens para o ministério pertence à igreja local, que não pode e não deve delegá-la, nem a um indivíduo e nem a concílios. A igreja, nos termos de Deus, e sob a orientação do Espírito Santo, é que descobre aqueles que o mesmo Espirito vocaciona para o exercício do ministério. Se é a igreja que percebe a vocação do futuro ministro, a ela cabe também o dever e a responsabilidade de consagrá-lo. De outro lado, o senso de vocação, por parte do vocacionado, se manifesta por um constrangimento interior pelo qual ele sente que outra coisa não deveria nem poderia fazer na vida senão pregar o evangelho. Ele não escolhe sua carreira, é escolhido por ela.
2. O candidato ao ministério pode ser membro da igreja que o chama, ou de outra. No primeiro caso não há problema: a igreja convoca o concílio e o consagra. Se é convidado para ser pastor de outra igreja esta pode pedir àquela de que é membro que promova sua consagração.
3. Os batistas no Brasil tem adotado a praxe pelo qual um homem é consagrado por outros homens já consagrados, organizados em concílio, por autorização e a pedido de uma igreja local.
A convocação do Concílio, por parte da igreja que promove a consagração do candidato, deve abranger o maior número de pastores possível e ser comunicada à secção da Ordem de sua região ou à Ordem Estadual e publicada em órgão denominacional com razoável antecedência. Não devem haver “concílios particulares” “escolhidos a dedo”, quer pelo candidato, quer pela igreja.
II - O Exame do Candidato
1. O concílio que vai examinar o candidato deverá fazê-lo, preferencialmente, uma ou duas semanas antes da consagração, sendo a mesma marcada só depois de se ter examinado o candidato. O exame público do candidato, no dia da consagração, poderá constranger o concílio no sentido de tomar uma decisão favorável, mesmo, quando a prudência aconselha um adiamento ou até uma recusa.
2. A diretoria do concílio deve ser formada de: um presidente, que geralmente é o pastor da igreja que está convocando o concílio; um secretário, e um ou mais examinadores.
3. Do Concílio devem fazer parte, pelo menos, cinco pastores membros da Ordem do Estado onde se situa a igreja que promove a consagração.
4. O concílio não deverá aprovar o candidato que não julgar idôneo.
5. O candidato deve ter recebido convite formal de uma igreja para o exercício do ministério.
6. Pré-requisitos indispensáveis para a consagração ao ministério, e que devem ser levados em conta pelo Concílio ao proceder o exame:
a. Conversão a Cristo
b. Convicção de chamada. Há uma chamada geral para todos os salvos, para o serviço cristão, de acordo com a distribuição dos dons do Espírito Santo; porém, quanto ao pastorado e missões, há uma chamada específica. A diferença entre uma e outra se constata através da experiência pessoal do candidato e do reconhecimento da igreja.
c. Conduta ilibada conforme preceitua Paulo a Timóteo.
d. Fidelidade doutrinaria, segundo a visão dos batistas.
7. O concílio deve se munir de dados a respeito do candidato, e por informações que lhe sejam prestadas pelo seu pastor, na sua ausência, por comissão da igreja a qual ele pertence.
8. Em sendo possível sugere-se que, durante o exame, o candidato deva fazer, por escrito e de próprio punho, o seu posicionamento doutrinário.
9. Depois do exame, o candidato se retirará e o concílio deliberará. Em seguida, o candidato será chamado e a decisão do concílio lhe será comunicada.
10. O ideal é que o candidato tenha concluído o curso teológico, não sendo, porém, o diploma, exigência para sua consagração.
11. Que seja incentivado o candidato a concluir o curso teológico. Todavia, como o que se pretende não é saber somente o nível de conhecimento teológico do candidato e, sim, o que ele vai pregar, pelo fato de haver concluído um curso teológico não deve ser dispensado, tanto de um rigoroso exame de teologia quanto de “eclesiologia”.
Depois da aprovação do candidato pelo concílio, a igreja convoca as demais igrejas para o Culto de Consagração que deve constar de:
a. Organização do concílio;
b. Escolha do pastor que irá fazer a oração consagratória;
c. Escolha do pastor que entrega a Bíblia;
d. Parte devocional;
e. Leitura da ata do concílio com oração consagratória;
f. Entrega da Bíblia; ‹
g. Pregação;
h. Impetração da benção apostólica pelo novel pastor.
Pontos a ressaltar
a. Há convicção de que a igreja local tem a primeira e a última palavra na questão de reconhecimento e atos consagratórios;
b. A questão do exame do candidato somente se houver um convite ao ministério;
c. A reunião dos pastores para o exame do candidato com regras bem definidas.
d. Depois do concílio a rapidez do ato consagratório.
A bem da verdade na prática há várias nuances quanto ao processo consagratório dos Batistas.
1° - Há controvérsias se o candidato deve ter a Faculdade teológica ou não embora no documento da Ordem há a possibilidade do candidato ao ministério não ter passado por uma instituição.
Para o Pr. Zacarias de Aguiar Severa, passar pelo seminário é imprescindível.
“Reconheço que um curso de teologia não é suficiente para o bom desempenho de um pastor, mas a situação de nossa sociedade exige que a igreja seja bem orientada sobre as verdades bíblicas e as diversas filosofias que existem, principalmente agora, com a entrada de religiões orientais no mundo ocidental.”
Para outros pastores, Faculdade não é o modelo do Novo Testamento. O argumento é que havia muitos indoutos líderes dos quais eram usados poderosamente nas mãos de Deus.
2° - Nem todos os candidatos tem Ministério especificado no ato de seu exame. Se tem é, muitas vezes, algo abstrato.
3° - Nem todos os concílios são feitos dentro de uma convocação digamos “universal”. Há muitos concílios feitos com os próprios pastores da igreja local, quando esta igreja possui mais de sete pastores. Outro fato é o convite específico a alguns pastores “queridos” do candidato para se fazerem presentes. O objetivo muitas vezes é a ajuda deste nas perguntas e respostas.
4° - A presença no concílio de pastores que não tem nenhum preparo teológico, nenhum fruto ministerial sendo examinadores e arguidores causando discussões entre si e fazendo o candidato se perder em suas respostas.
5° - Em muitos casos o concílio é feito no mesmo dia do culto de consagração. Isto devido a não se ter espaço no calendário para outro dia e despesas com envio de correspondência. O fato é que o Concílio não tem muita saída a não ser a de um veredicto positivo sobre o candidato.
OUTRAS DENOMINAÇÕES
Além de se observar o que acontece em outros países quanto à ordenação ao mistério de candidatos batistas se faz necessário se conhecer o procedimento de outros contextos denominacionais. A Revista Vinde em seu artigo: “Os caminhos que levam ao altar” traz a relação de algumas igrejas e seus procedimentos em relação à candidatos ao ministério.
Na União das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil o aluno pode fazer o curso de educação teológica (de nível técnico) ou de bacharelato, para o qual é obrigatório o segundo grau. Após quatro anos de estudo, ainda há o estágio de um ano, monitorado por uma comissão. A ordenação só ocorre depois desse período, e ainda depende de aprovação em prova escrita e numa arguição. No caso de reprovação nesses testes, uma nova tentativa só é possível 180 dias depois.
Na IECLB - Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, só se ordena ao ministério o candidato que tem curso de bacharelato em teologia. Além disto, também exige um período prático de habilitação de um ano.
Na Igreja Presbiteriana do Brasil quem se senti vocacionado deve ser examinado primeiramente pelo Conselho da igreja local, sendo aprovado o candidato é enviado ao Presbitério, e, se aprovado, pode fazer o vestibular para o seminário. O curso superior de teologia tem duração de cinco anos. Depois de formado, o candidato é novamente examinado pelo Presbitério e, sendo aprovado, inicia um período de licenciatura de um a três anos, durante o qual pode pregar o Evangelho, mas tutorado por um pastor.
A igreja Metodista do Brasil impõe um longo período de estudos e monitorização para seus seminaristas. A formação de um pastor tem duas fases: um curso básico, de dois anos, e o de teologia, que dura mais três. Após formado, o teólogo passa por um período de acompanhamento que dura quatro anos, quando é observado por uma comissão ministerial, somente depois de satisfeitas todas estas etapas que podem durar até dez anos é que o candidato é ordenado pastor.
Na IURD - Igreja Universal do Reino de Deus o que determina a indicação de alguém ao ministério é sua atuação na igreja e não apenas uma indicação. Os requisitos são: conversão, a dedicação e o desejo de fazer a obra de Deus. Em alguns estados há um curso especial e intensivo com durarão de seis meses, no qual o obreiro é orientado nos princípios básicos do cristianismo e da IURD. Segundo a igreja, não há melhor preparo do que a atuação prática e direta nas igrejas.
A Igreja Tabernáculo Evangélico de Jesus, conhecida como Casa da Benção tem como principal critério adotado para a indicação de um candidato ao pastorado o conhecimento básico da bíblia e uma atuação espiritual destacada. É preciso que o futuro pastor tenha pelo menos cinco anos de convertido e passe por um curso de dois anos num dos três seminários da denominação. No caso de pastores de outras denominações para serem aceitos devem passar por um período de adaptação antes de ingressarem no ministério,
A Igreja Batista da Convenção Nacional além de passar por entrevistas na igreja local e na Ordem de ministros, o candidato precisa apresentar vários documentos, entre os quais a certidão de casamento e até um certificado de que não tem problemas de crédito, como a emissão de cheques sem fundo.
CONCLUSÃO
Há muitos outros modelos a serem examinados em todo o mundo, mas estes apresentados já nos dão algumas pistas para o repensar do nosso modelo.
Na minha opinião, não podemos mudar apenas a configuração dos Concílios - esta mudança com certeza seria superficial e não visceral.
O que vemos nestes modelos apresentados? Pelo menos 6 aspectos que não são excludentes:
1° - A experiência comprovada;
Algo também a frisar é a não facilidade para os que entram no Ministério. Como vimos o processo é dificultoso.
2° - A igreja local em todo o processo;
3° - Alguém ou alguma Instituição como tutor;
4° - Ordenação para algo específico;
5° - Ordenação relacionada com a Denominação;
6° - As Instituições de ensino participando de todo o processo de ordenação;
7° - O Concílio não como a única palavra na Ordenação.
Pensando assim quero concluir este trabalho dando uma opinião pessoal de como acho que deveria ser o processo de condução ao ministério por vocacionados. É lógico que corro o risco de ser duramente criticado e não entendido, mas já aprendi que “quem está na chuva é para se molhar...” Estou opinando porque acho que teoria, apenas não serve para nada; temos que ser práticos.
PROPOSTA PARA DISCUSSÃO
1° passo - O candidato marca uma entrevista com o seu pastor ou pessoa/conselho designada pela condução de Vocacionados, e se coloca quanto à sua vocação;
2° passo - A igreja o examina na Assembleia Regular, com perguntas que tenham a ver com: seu caráter, vocação (do tipo do testemunho de fé dos novos convertidos);
3° passo - Sendo aprovado, a igreja o envia ao Seminário que o recebe mediante a Ata do exame deste em sua igreja;
4° passo - No último ano do curso, o candidato ao ministério pastoral e/ou de missões deverá estar à frente de um trabalho tal como:
Congregação, Igreja, Frente missionária (pode ser aceito o Estágio da própria Faculdade).
5° passo ~ Ao terminar o seu último semestre, o aluno fará uma Prova Examinatória para o Ministério. Esta prova pode ser composta pela Ordem dos Pastores e aplicada na Faculdade em dia e hora plenamente divulgados na região. O Conteúdo da prova deverá versar as matérias teológicas, eclesiológicas e éticas.
6° passo - A igreja do candidato pede o Concílio à Ordem dos Pastores, desde que ele tenha algo específico para o seu ministério.
7° passo - A Ordem designa o Concílio. O Candidato deverá levar o Boletim de Notas de seu Exame realizado na Faculdade e deverá levar uma carta assinada pela liderança onde está realizando o seu Estagio Ministerial, o avaliando;
8° passo - O Concílio examina o caráter do candidato e sua visão ministerial. Sua aprovação está condicionada às respostas, ao Boletim de notas e à Avaliação do seu campo de estágio.
9° passo - Sendo aprovado por unanimidade, a igreja convoca as demais igrejas para o Ato Consagratório.
10° passo - Há a Consagração.
Este modelo apresentado não é a última palavra, mas um trampolim para uma discussão. Alguns pontos desejo ressaltar:
a. É um modelo que permite a voz da igreja e sua avaliação quanto ao candidato de maneira mais concreta, portanto está enquadrado dentro do novo Testamento;
b. É um modelo que obriga o candidato a ter uma experiência realmente comprovada para ser um Pastor;
c. É um modelo que só ordena candidatos que tenham um ministério;
d. É um modelo que fortifica a obra educacional em nossa região; Eu creio que todo pastor precisa ter o curso teológico. O interessante é que, não colocaríamos um médico no exercício de sua profissão, mesmo que este fosse alguém que soubesse muito sobre estrutura humana, que não tivesse cursado uma Faculdade específica; mas para alguém ser pastor não precisa cursar uma escola. O argumento é: Os primeiros líderes não fizeram seminários e nem os seus liderados que se tornaram líderes da igreja local. Isto é uma argumentação insustentável pelos menos por alguns motivos;
1° - Os discípulos fizeram seu curso. Três anos com Jesus.
Um curso que era de tempo integral. Acredito que se contássemos todas as horas/aulas teríamos bem mais do que as Faculdades oferecem para a formação: quatro anos. :
2° - A realidade da igreja do 1° século era outra. Não podemos comparar com a nossa.
Havia uma estrutura pequena, alicerçada sobre os apóstolos, que ensinavam através da vida, de cartas e de visitas pessoais ao campo de trabalho. Temos que ficar com os princípios. O princípio do ensino é algo que não podemos simplesmente desprezar.
Está bem claro no NT. Sabemos que os pastores das igrejas locais não tem tempo para o ensino de seus candidatos ao ministério. Alguém precisa fazer isto. A Faculdade faz. Ela existe para a formação do futuro ministro;
3° - Não se deve esquecer que a faculdade teológica é das igrejas batistas. Foram elas que a criaram. Quando alguém está se formando nela está se formando pela igreja local - isto é uma verdade incontestável.
e. A Faculdade que forma deve estar presente na própria avaliação do candidato ao ministério, através de aplicação do Exame e do Boletim de notas. Isto dará a sua própria avaliação - outra vantagem do modelo.
f. É. um modelo que fortifica a Ordem de Pastores e os direciona de forma mais concreta em relação à Ordenação; É melhor o Concílio vir por indicação da Ordem para evitar facilitações ou “dificuldades”
g. É um modelo que não coloca o candidato para responder centenas de perguntas, mas, que através do Concílio, responde, apenas sobre seu caráter e sua habilidade de aperfeiçoar santos;
h. É um modelo que mostra em todo o seu processo a seriedade com que a Denominação trata a sua formação de ministros.
Via Teológica
ENGLISH ABSTRACTS
SEMIÁRIO TEOLÓGICO BATISTA DO PARANÁ PREPARING LIVES TO GOD’S WORK FOR 60 YEARS
Principal and Professor of the Seminário Teológico Batista do Paraná in Curitiba, Brazil, Revd. Edson Martins investigates the history of the Seminary, which is a theological and ministerial institution of the Convenção Batista Paranaense. He explores all its history, since its foundation in 1940, going through natural transformation of a theological institution. He focuses some aspects such as tension, fights and victories up to the present. The narrative was divided into the periods of its directors, focusing the work of each director. The article is based in books and several other documents of the institution. ■
THEOLOGICAL AND PASTORAL PERSPECTIVES FOR THE NEW MILLENIUM
Academic Dean and Professor of the Seminário Teológico Batista do Paraná in Curitiba, Brazil, Revd. Jaziel G. Martins explores in this first part of his essay the influences that have challenged the Christian Church throughout history. He starts reminding that Christianity was born inside Judaism. As a result, Christianity was a real faith, a true faith. It was faith in a person called Jesus Christ. He suggests that the Greek was the first big influence on the Church. Christianity was not a real faith in Jesus Christ any longer. It became a philosophy and some strange thoughts were added to the Christian faith. The Greek mixed philosophy and theology together and the real true faith was gone. It became a dead rationalism.
The Romans institutionalised Christianity. It became a powerful institution. The Church became the official religion throughout the Roman Empire. In the beginning the Church was persecuted, but after Constantine the Church herself started to persecute the pagans. The Crusades and the Holy Inquisition are proofs of that cruelty and that religious power. The Europeans also made a contribution. They changed Christianity into a culture, especially a protestant culture. To be a Christian it is necessary to adopt the protestant traditionalism, mainly the Anglo-Saxon way of Christian life. Martins points out that it is necessary to differentiate between Tradition and Traditionalism. Tradition is the living faith of the death Christians that is with us. Traditionalism is the death faith of the living Christians. The last big influence on the Church comes from the United States. In certain sense the Americans changed Christianity into business. This influence can be seen not only in the States, but also here in Brazil, where many groups have suddenly started and after a short period of time the new group is very powerful and wealthy. Some leaders are making a lot of money preaching the Gospel.
Martins says that one or more of those influential people has influenced every single Christian denomination. He emphasises that Christianity must wake up from her slumber, putting aside the deeds of darkness and putting on the armour of light. The Church needs to free herself from the bad influences of the past so that she can preach the real life and the true Gospel of Jesus Christ. In order to do that, Revd. Martins states many characteristics of the new millennium. He emphasises that the post-modernism is inverting completely the way Christians see the world and how it has become the big threat to the Church. After showing a threat form outside the Church, he presents an inner threat, that is, the heresies inside the Church herself.
In his conclusion Revd Martins urges the Church and her leaders to return to the very beginning, to the New Testament Church, where Christian life was completely different from what it has been nowadays. Then, he invites the whole Church to fight against the same enemy, the post-modernism, in the power of our living God. ■
THE NEW WINE IS MUCH BETTER
Isaltino Gomes Coelho Filho, professor of the Faculdade Teológica Batista de Campinas, Brazil, presents Jesus’ first miracle in the fourth Gospel, saying that John chooses this miracle as his first one because it is part of the whole work of the evangelist. He analyses this question showing three important aspects of the miracle: the marriage, the wine and the Messiah. The marriage was the greatest feast in a person’s life and signifies the encounter between God and his people. It represents that the messianic age has come with its festival. The wine symbolises happiness. He says that the wine is absent in the old alliance, the torah. The old alliance neither could satisfy the men nor bring him happiness. The Messiah has a superior wine, and He is much better than Moses and the oldest alliance. In his conclusion, Revd. Coelho emphasises that the Church is the new Israel and he convokes the church not to bind herself to the old patterns of Judaism, but to free herself from this old wine that cannot bring us happiness or freedom. ■
THINKING ABOUT MISSION IN BRAZILIAN EVANGELICAL CONTEXT.
Professor of the the Seminário Teológico Batista do Paraná in Curitiba, Brazil, Revd. Uipirangi Câmara analyses the present paths of Brazilian Church. In his studies he states that a bigger number of people are seeking spirituality without compromising with the institutionalised and official religion. He proposes a biblical theology on Mission for this situation, points out possible risks, offers suggestions, and makes a deep reflection about the Brazilian Church. ■
ELECTION IN THE OLD TESTAMENT
Professor of the the Seminário Teológico Batista do Paraná in Curitiba, Brazil, Revd. Antonio Renato Gusso defends that the Election of Israel by God involved not only privileges as the majority of the chosen people understood. He states that many readers of the Bible still misunderstand this doctrine. Besides being a channel of blessings, this doctrine, in the Old Testament, appears also as a production of responsibilities. He who is elected is chosen to do something, which is the will of God.
After demonstrating the basic meaning of the two main words in the Old Testament that can describe the election, the author analyses, theologically, the motive, the objective and the consequences of this sovereign act of Ivan. The reason for that was the free and sovereign love of God. Israel did not have in itself none attribute that could make him worthy of such big honour. The aim, in general sense, was to serve and the consequences can be divided into three categories, e.g., blessings, responsibilities, and the judgement more severe for the person who is elected.
In his conclusion, Revd. Gusso says that the issue does not end in the Old Testament, but it becomes an important issue inside the context of the new Israel of God, that is, the Church of Christ. As Israel in the Old Testament, the Church has been chosen to do the will of God.
RETHINKING ABOUT THE PORCESS OF PASTORAL ORDINATION
Fernando Cintra, principal and professor of the Faculdade Teológica do ABC in S Paulo, Brazil, analyses the various ways in which candidates are ordained in Brazil and others countries in some denominations. He also states that this question must be treated seriously and proposes some criteria that need to be taken into account to proceed with this question.
VIA TEOLÓGICA
resenhas
FRISESEN, A. Cuidando do Ser. Aconselhamento Pastoral: a igreja precisa disto? Treinamento em Aconselhamento Pastoral.
Curitiba: Esperança, 2000. 280p.
Prof. Eliseu Gomes da Silva,
Mestre em Ministério Pastoral, Professor de Crescimento
Pessoal e Hermenêutica no STBP
“Aconselhamento Pastoral não é psicoterapia, nem psicanálise, nem tampouco a tentativa de resolver problemas através de conselho”. Inicia Albert Frisen, experimentado conselheiro, pastor e psicólogo, a explicação do Treinamento em Aconselhamento Pastoral.
Quais são os conselhos apresentados no aconselhamento? Cita McKinney que enfatiza o relacionamento interpessoal. Clyde Narramore destacando a responsabilidade do aconselhando. Apresenta L.W. Nichols com o conceito de que “aconselhamento é a arte de ajudar a indivíduos a alcançar objetivos específicos que satisfaçam suas necessidades” e Larry Crabb, que utiliza técnicas cognitivas e reorientação de conceitos básicos sobre a maneira de satisfazer, de modo adequado e efetivo, as necessidades dos aconselhandos. (p. 19,20). Albert Friesen compartilha de sua compreensão sobre aconselhamento, entendendo que Salmos 139. 23,24 possui a melhor definição bíblica sobre o que é aconselhamento: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração: prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno”. O aconselhamento transcende o sujeito para fora dele. O raciocínio e a vontade são elementos integrantes, mas existe a dimensão espiritual do homem. Faz-se necessário cuidar do ser de maneira holística, integral, tendo a percepção de que uma área interfere na outra na vida do aconselhando.
Como a Igreja se posiciona diante do Aconselhamento? A Igreja de Jesus Cristo perdeu sua visão? Torna irrelevante sua missão de ajudar pessoas? Dá mais valor a necessidade básica do homem na elaboração de projetos desenvolvidos? O autor apresenta questões enfatizando a necessidade de que no aconselhamento deve haver uma concentração na necessidade individual do homem. O conselheiro trabalha com problemas específicos, e permiti uma via de mão dupla de comunicação entre aconselhando e conselheiro. Este processo pode parecer lento, mas I Tessalonicenses 5.14 diz: “E sejais longânimes (pacientes) com todos”.
Albert Friesen destaca a importância da paciência ser exercitada pelo conselheiro. A quem as pessoas apelam quando precisam de Aconselhamento Pastoral? As pessoas levam seus problemas a conselheiros que transmitem empatia e aceitação incondicional. Levam os problemas a conselheiros de quem gostam; a quem respeitam; a quem manifesta seu interesse em aconselhar; a quem elas sabem que são ou imaginam ser competentes para aconselhar; a quem conhecem a Deus. As características citadas são observadas pelo aconselhando, mas e o conselheiro? Sem ele não haveria Aconselhamento Pastoral (...) O conselheiro pastoral precisa de informações básicas sobre o comportamento humano (...), fará bem se ousar ampliar os seus horizontes estudando algumas obras cientificas de psicologia, antropologia, pedagogia, filosofia e história. Ele poderá analisar tudo e reter o que é bom - I Tessalonicenses 5.21 (p. 81,82). A necessidade de um conhecimento em outras áreas além da teológica, com certeza oferecera subsídios maiores para o aconselhamento.
O conselheiro precisa, segundo o autor, conhecer Jesus Cristo de maneira pessoal, possuir convicções, coragem, compaixão com os outros e consigo mesmo, ser imparcial e necessita de seu próprio conselheiro. Uma análise real do que impulsiona o desejo de querer ser um conselheiro também precisa ser observada. O tempo certo de aconselhar. O observar um problema, não identifica ser o tempo certo entre conselheiro e aconselhando para tratar do mesmo. Chama atenção Albert Friesen que, pena é um mau motivo para ajudar a alguém. É preciso esperar até que a pessoa esteja madura para receber ajuda. O autor apresenta as características de conselheiros eficazes que são: autenticidade, receptividade com distanciamento e empatia apurada. O início de uma conversação implica saber ouvir e perceber no aconselhamento. Um treinamento da percepção, aplicando técnicas que o livro apresenta, produz resultados. Todo aconselhamento necessita ser ético, o que envolve a ética profissional de não falar sobre outros conselheiros, não falar de outras pessoas ao aconselhando, não tocar no aconselhando desnecessariamente, especialmente se for do sexo oposto, e a importância de marcar local e horários fixos para o Aconselhamento Pastoral.
Albert Friesen destaca a visitação pastoral apresentando os três modelos conhecidos: a visita do pastor, a visitação pelo grupo de diáconos e a de grupos familiares ou igreja em células. E destaca que o “encontro verdadeiro” é o que deve acontecer na visitação. Trata também de orientações básicas sobre o aconselhamento conjugal e reserva o último capítulo sobre o tema Psicopatologia: as doenças mentais e a igreja. Elabora os alvos básicos no aconselhamento matrimonial como o favorecimento de expressão de fortes sentimentos que se criam em torno de uma situação conflituosa, a elaboração de que o ajuste no casamento demanda tempo, que o autoconhecimento é imprescindível para uma interação matrimonial saudável e eficaz, a necessidade de conhecer o cônjuge como algo imprescindível, a compreensão e definição dos papéis que cada cônjuge assume no casamento e um Plano de Educação Familiar para quem desejar desenvolvê- lo na igreja. Aborda sobre o suicídio apresentando dados estatísticos. Apresenta um material sobre maturidade psíquica, saúde mental, estresse, emoções no nível neurofisiológico, sinais de alerta indicando possível doença mental, uma classificação básica das doenças mentais e finaliza descrevendo sobre a bíblia e a possessão demoníaca.
O livro não é de autoajuda, e sim para desenvolver o ministério de aconselhamento pastoral. A disposição do material é sequencial, lógica e equilibrada. O acabamento do livro é de qualidade. Deve fazer parte da biblioteca de quem deseja crescer na área do aconselhamento.
DONNER, Herbert. História de Israel e dos povos vizinhos. Trad. Cláudio Molz e Hans A. Trein. São Leopoldo e
Petrópolis, Editora Sinodal e Vozes, 1997. 535p. 2v.
Prof. Antônio Renato Gusso
Bacharel e Mestre em Teologia, Prof. Antigo Testamento, Hebraico, Coordenador do Curso de Pós-Graduação do
Seminário Teológico Batista do Paraná
Herberter Donner é um erudito alemão que estudou com Albrecht Alt e Siegfried Morenz. Seu livro, em dois volumes, aqui resenhado, foi editado pela primeira vez em 1983, com o titulo original de Gesckichte des Volkes Israel und seiner Nachbarn in Grundzugen: Teil 1: Von den Anfdngen bis zur Staatenbildungszeit. A tradução para a Língua Portuguesa foi feita a partir da 2. edição alemã, datada de 1994.
O próprio autor se encarrega de explicar no prefácio de sua primeira edição, para que não surjam dificuldades de interpretação, que o título “História de Israel e dos povos vizinhos” não é de todo adequado. Ele não tem a intenção de reconstruir a História de Israel e, paralelamente, ainda em detalhes, as histórias do Egito, Síria, Filistia e outras nações próximas a Israel. Isto seria impossível. O que ele pretende é mostrar que a História de Israel não pode ser tratada dentro de um vácuo. Ela precisa ser analisada à luz de seus relacionamentos com as outras nações.
A História proposta por Donner está baseada firmemente na crítica veterotestamentária das últimas décadas. Em alguns casos ele simplesmente ignora o que os textos bíblicos apresentam de forma clara e trabalha em cima das opiniões dos críticos. Um exemplo é a maneira como ele classifica a história dos bezerros de ouro em Êxodo 32, como uma etiologia criada para combater a utilização dos outros bezerros de ouro mandados fazer por Jeroboão I, rei de Israel (p.121). Acaba tratando, ainda, a passagem bíblica que narra a historia de como Saul saiu a procurar algumas jumentas e voltou para casa como rei ungido, em pé de igualdade com os contos de fada (p.206); e apresenta a reconstrução de Jericó como não sendo verdadeira, mas apenas, uma tentativa, feita por um revisor deuteronomista, de comprometer o rei Acabe (p.317).
O livro foi escrito em uma linguagem difícil. Para entendê-lo é necessário ter um conhecimento razoável dos problemas críticos do Antigo Testamento, além de vasto vocabulário técnico. Um exemplo desta dificuldade é a utilização da palavra “etnogenese” na p.97, sem nenhuma outra explicação, como se fosse um termo comum, bem conhecido para os leitores brasileiros, A utilização de muitas figuras de linguagem também complicam. Elas não são adequadas para uma obra técnica como esta. Talvez este problema seja fruto do trabalho dos tradutores.
O segundo volume traz o seguinte subtítulo: “Da época da divisão do reino até Alexandre Magno”. Isto faz com que o leitor imagine que a matéria está limitada a este período. De fato, ela vai mais longe. Ainda que seja em forma apenas de conclusão, são tratados, superficialmente, os períodos dos Macabeus e do domínio Romano até o ano 135 D.C.
A obra apresenta alguns mapas, um quadro cronológico que vai de 1730 A.C. até 106 D.C. e uma vasta bibliografia, a qual é de pouca utilidade para o estudante brasileiro. Isto devido à dificuldade da língua, pois a grande maioria dos livros que fazem parte dela estão escritas em alemão, alguns em inglês, e pela impossibilidade de encontrá-las em bibliotecas nacionais. Em suma, é uma obra difícil, porém importante. Leva o leitor a pensar e questionar os conceitos preestabelecidos, além de apresentar uma outra alternativa para a interpretação da História de Israel, baseada na crítica veterotestamentária. Deve ser lida por todos aqueles que, possuindo uma boa base a respeito da crítica do Antigo Testamento, desejam conhecer algumas das possibilidades de interpretação da História de Israel deste ponto de vista ■