PASTORAL A ENFERMOS: EM BUSCA DE VISITAS QUE AJUDEM
Pastoral to unhealthy people: looking after for visits that help
Dr. Jilton Moraes[1]
Visão da pastoral a pessoas enfermas, em abordagem prática, partindo da experiência do autor, em sua jornada ministerial, com inserção de casos, onde a identidade dos personagens não é revelada. O trabalho visa não apenas ajudar futuros pastores e pastores noviços, ao exercício de tão importante missão, mas, de igual modo, a despertar a todos da urgente necessidade de as igrejas manterem um programa e treinamento para atender ao clamor de uma pastoral a enfermos: em busca de visitas que ajudem.
Palavras-chaves: Pastoral. Visita a enfermos. Experiências. Postura adequada.
The view of the pastoral to unhealthy people, in practical approach, starting from the experience of the author in his ministerial journey, with insertion of cases, where the identity of the personages were not revealed. The work aims not only to help future and trainee pastors, to develop this important mission, as well as to awake everyone about the urgency need to have churches maintaining a program and training to attend the cry out for pastoral care for unhealthy people, looking after for visits that help.
Keywords: Pastoral. Visit to unhealthy people. Cases. Adequate posture.
A prática da “pastoral a enfermos” é uma das mais necessárias, urgentes e difíceis atividades no exercício do pastorado. As igrejas querem um pastor que seja eloquente pregador, excelente administrador e hábil articulador. Um pastor que seja sábio em lidar com todos, especialmente com as pessoas doentes, ajudando-as com a capacidade de ouvir, sem interromper. Os fiéis sonham com um pastor capaz de não se escandalizar diante das confissões, que seja prudente para repreender com mansidão, que tenha a sabedoria de falar a palavra certa, que ajuda o enfermo a completar a sua fala, revelando o que precisa ser dito, mas ficaria nas entrelinhas. E têm razão, uma vez que o cumprimento da missão da igreja assim o exige. “Inspirar ideais que levem homens e mulheres a uma linha de ação condizente com os propósitos divinos para a vida humana é tarefa fundamental da comunidade de fé denominada igreja”.[2] O cumprimento dessa missão, entretanto, não é fácil! Exige contínuo treinamento e prática consagrada.
A Bíblia narra a experiência de um enfermo e os amigos que foram visitá-lo. A experiência é um clássico para nos ensinar que nem sempre é por meio do que dizemos que ajudamos. O caso de Jó, o enfermo em questão, tornava-se ainda mais complicado porque, além de perder a saúde, perdeu familiares e seus bens. Esses homens foram visitar Jó com o firme propósito de “mostrar solidariedade a Jó e consolá-lo” (Jó 2.11). Durante sete dias eles ficaram calados, com uma postura de grande compaixão (Jó 2.12). No entanto, a partir do momento em que o enfermo quebrou o silêncio e falou da sua inquietação, os visitadores tornaram-se torturadores; o benéfico silêncio foi trocado pela ferina palavra de acusação, em intermináveis discursos repletos de cobranças e chateações. Foram constantes respostas dos visitadores ao paciente. A história de Jó e seus amigos pode servir como manual para visitação a enfermos e atribulados. A maior lição que tenho aprendido é que: o silêncio revela mais sabedoria que a palavra que tenta confrontar, deixando de consolar. Deus não aprovou a atitude dos amigos de Jó (Jó 42.8).
Em quase cinquenta anos de atividades pastorais e docentes, tenho aprendido bastante nesse trabalho de assistência às pessoas enfermas. O início dessa atividade foi bem difícil, face ao despreparo para lidar com a finitude humana, obviamente começando por mim mesmo. Sofria vendo alguém sofrer e quase morria com os que estavam se findando. O divisor de águas que me abriu novos horizontes foi participar das classes de Psicologia Pastoral, ministradas pelo Dr. Merval Rosa. Foi uma aprendizagem dolorosa, porém extremamente útil. No primeiro semestre, vimos a fundamentação teórica e, no segundo, o professor conduziu-nos à prática, em hospitais.
Visitar e ajudar enfermos é uma das atividades mais presentes do dia a dia do pastor. Lidamos com pessoas e suas limitações e a enfermidade é um tempo de carência de ajuda pastoral e prática; ocasião quando não só precisamos estar preparados para ajudar, mas equipando pessoas da igreja ao desempenho de tão importante empreitada. Assistir pessoas enfermas não é tarefa só do pastor, é responsabilidade da igreja.
As irmãs de Lázaro mandaram dizer a Jesus: "Senhor, aquele a quem amas está doente" (João 11.3). Esse recado não era apenas uma informação; obviamente a notícia era clara: um amigo querido estava doente. No entanto, ela vinha acompanhada de um pedido, que, apesar de oculto no texto, era bem claro ao bom entendedor: venha visitá-lo. O Mestre tanto entendeu a gravidade do problema que, ao ouvir isso, disse: "Essa doença não acabará em morte; é para a glória de Deus, para que o Filho de Deus seja glorificado por meio dela” (João 11.3). Jesus demorou em ir ver o amigo, mas ele sabia o que estava para acontecer: Lázaro havia morrido, apesar disso seria levantado da sepultura, pela autoridade da palavra do Filho do Homem.
Considerando que não tenho o poder para ressuscitar mortos, apresso-me o quanto posso para ajudar enfermos. Aprendemos no dia a dia das atividades pastorais que visitar enfermos é algo que requer prioridade na agenda pastoral. Se você não puder visitar de imediato, encontre alguém capacitado a ir em seu nome e levar o conforto de sua presença e uma palavra de fé e esperança. “O pior erro que o pastor pode cometer é não visitar os enfermos e os doentes terminais. Aos olhos dos membros da igreja, isso é imperdoável”.[3]
De acordo com a profissão exercida e a tarefa a ser desempenhada, os profissionais lançam mão de ferramentas que os equipam ao exercício do trabalho. Na pastoral a enfermos não é diferente. As nossas ferramentas principais são: a oração e a leitura da Bíblia. Sem elas, pastores, conselheiros e outros irmãos visitadores, não conseguem realizar o trabalho. O doente necessita de oração e o pastor, ou a pessoa que vai visitar o enfermo, também. Precisamos pedir ao Senhor que nos dê paciência para ouvir, entendimento para compreender e perspicácia para só falar o necessário e na hora certa; carecemos do completo auxílio do Senhor, dando-nos equilíbrio para, com palavras e atitudes, não desencorajarmos o enfermo a falar o que tem a dizer.
Devemos, também, aprender a orar com o enfermo. Orações são um bálsamo para todos nós, especialmente para quem necessita de alívio e cura. Apesar disso, cuidado: a oração pode prejudicar o estado de saúde da pessoa doente. Tenho terrível experiência neste sentido: estava acamado, com litíase renal, as dores eram insuportáveis. Um dia um homem que se dizia pastor foi me visitar acompanhado de um grupo de uns dez homens. Aquela visita foi uma catástrofe. Fez-me tanto mal que quase quarenta anos depois, não consigo esquecer do tormento daquele dia. Além do grupo grande de pessoas em um quarto apertado, o calor, o desconforto pelo longo tempo que ali permaneceram, o pior mesmo foi o momento da oração: uma interminável súplica dirigida aos céus, com direito a gritos que mais pareciam uma sessão de exorcismo que uma prece por alívio. Para completar eles ainda me tocavam com suas mãos, tirando-me a liberdade dos movimentos. É terrível admitir que aquele momento, que pretendia ser um tempo de bênção e alívio, foi de tortura e sofrimento. Ainda bem que eles não voltaram mais.
A oração na pastoral a enfermos deve ser breve e objetiva. Não há lugar para orar pelas autoridades constituídas, pelos problemas da Pátria, pelas atividades da igreja, pela cidade, pelo bairro. É obvio que esses e outros assuntos devem fazer parte do nosso programa de oração; no entanto, diante de um enfermo, devemos pedir a bênção da presença do Senhor, o alívio das dores e, de acordo com a vontade dele, a cura. A Bíblia apresenta o recurso da oração: “Entre vocês há alguém que está doente? Que ele mande chamar os presbíteros da igreja, para que estes orem sobre ele e o unjam com óleo, em nome do Senhor. E a oração feita com fé curará o doente; o Senhor o levantará. E se houver cometido pecados, ele será perdoado” (Tg 5.14-15).
A leitura bíblica também precisa ser cuidadosamente utilizada. A palavra é lâmpada e luz (Sl 119.105), é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça (2 Tm 3. 16). MacArthur Jr declarou:
A Bíblia é abalizada, relevante e exaustivamente suficiente para o aconselhamento. Deus, na verdade, falou sobre cada questão básica da natureza humana e a respeito dos problemas do viver. Sua Palavra estipula o alvo do aconselhamento, como as pessoas podem mudar, o papel do conselheiro, métodos de aconselhamento, e assim por diante.[4]
Estou convicto de que muito mais alto que as mais bem colocadas palavras que possamos utilizar está a sublimidade da Palavra do Senhor: onde não podemos alcançar, a Bíblia alcança. MacArthur lembra que temos ao nosso alcance “a única fonte determinada para a sabedoria no aconselhamento: o Espírito Santo falando por intermédio da Palavra de Deus. O temor do Senhor é o princípio da sabedoria, e a sabedoria é o único alvo digno do aconselhamento”.[5]
Precisamos ter como opção preferencial as breves leituras. O paciente, em virtude da preocupação com a doença, e outros problemas dela decorrentes, perde a capacidade de se concentrar por períodos mais longos. Assim, quanto mais curta e objetiva a leitura, tanto mais condição tem de marcar e ajudar. Uma das minhas passagens bíblicas prediletas no trabalho com enfermos é o verso 3 do Salmo 41: “O Senhor o assiste no leito da enfermidade; na doença, tu lhe afofas a cama”. Tenho aprendido a, visitando enfermos, evitar leituras bíblicas que falam de enfermidades que resultaram em morte. O anelo de todo doente é ser curado.
Nossa pastoral a enfermos não está focada em pessoas ou em métodos: está centrada no Autor da Vida. “Deus está no centro do aconselhamento. Deus é soberano, está ativo, está falando, é misericordioso, é imperativo e é poderoso. O Senhor e Salvador, Jesus Cristo, é o foco central do aconselhamento e o exemplo de Maravilhoso Conselheiro”.[6] Do conceito que temos de Deus depende a nossa pastoral a pacientes enfermos. Conselheiros mais radicais têm mais dificuldade em ajudar, especialmente aqueles que buscam avidamente encontrar um pecado que justifique a doença. Mas nem sempre é assim. O caso Jó é exemplo típico, adoeceu terrivelmente, sem que a causa fosse o pecado. Foi acusado, no entanto, como já vimos, o próprio Deus o defendeu. Collins afirma que “em última análise, toda doença é resultado do pecado original. Às vezes, uma doença física e um pecado individual estão relacionados, mas não podemos concluir que toda doença é necessariamente resultado de um pecado do doente”.[7]
Jesus deixou claro que mais importante que qualquer preocupação teológica é usarmos de misericórdia. Não podemos compreender os desígnios de Deus e nossa missão não é apontar pecados, e sim ministrar a graça do Deus que perdoa. É ajudar a pessoa aflita, esmagada pelo peso da culpa, a encontrar no Senhor o único remédio capaz de aliviar a dor de sentir-se culpada.
É indispensável reconhecermos que somos simples instrumentos. Sem a Palavra de Deus e a ação do Espirito Santo não há qualquer possibilidade de mudança completa e duradoura. “A palavra de Deus fala acerca do aconselhamento, fornecendo-nos tanto o entendimento acerca das pessoas quanto métodos para ministrar a elas”.[8]
A nossa teologia não deve estar focada no castigo, mas baseada na Graça de Deus que excede a todo entendimento; que ama quando teria toda razão para deixar de amar. Essa Graça, pelo sangue de Jesus, desafia-nos a andarmos na luz, purifica-nos de todo pecado, incentivando-nos à confissão. Por essa Graça conhecemos o Deus que é fiel e justo, capaz de nos perdoar os pecados e nos livrar de toda injustiça (1 João 1.7-9).
Se o paciente está em sua residência, certifique-se do horário mais adequado para a família; se está hospitalizado, observe os horários permitidos à visitação. Trabalhe suas emoções para chegar com tranquilidade. O propósito da visita a um enfermo é o de levar ânimo a alguém alquebrado pela doença. Precisamos considerar a idade, os interesses, a condição física e emocional. Em hipótese alguma discuta com o paciente. Como afirma Collins: “Pode acontecer de você abordar um assunto delicado e receber uma resposta fria ou evasiva, indicando claramente que a pessoa não quer conversar assuntos pessoais com você. Em momentos assim, não se consegue nada tentando forçar a pessoa a falar”.[9] Nossa missão é ajudar e nunca atrapalhar. Não tente forçar o enfermo, não crente, a, de imediato, firmar um compromisso com Jesus. Devemos falar do amor de Deus, mas sem entrar em discussão com a pessoa doente.
Durante vários anos ajudei a um homem enfermo. Quando comecei a visitá-lo no hospital, seu estado de saúde inspirava cuidados. Os médicos não esperavam grandes resultados. Vitimado por acidente automobilístico, tinha o terrível prognóstico de que nunca mais andaria. Ele, no entanto, superou a todos os obstáculos, com uma fé que a todos surpreendia. Apesar de não ser evangélico, cria em Deus e com sua fé simples como a de uma criança, falava que Deus estava fazendo um milagre na vida dele. Foram meses e anos lidando com ele. Durante esse tempo utilizei três passagens bíblicas: [1] “O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã” (Sl 30.5); [2] “Posso todas as coisas naquele que me fortalece” (Fl 4.13); e [3] “No mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo” (Jo 16.33).
Meu grande anseio era ver esse amigo se converter e se recuperar fisicamente. Orei e trabalhei para isso, com todas as minhas forças, mas o meu desejo foi atendido apenas em parte. Cada vez que o visitava ele me dizia:
– Pastor, os médicos dizem que eu nunca mais vou andar, mas eu vou andar sozinho e vou entrar na sua igreja andando e quero um culto em ação de graças para agradecer a Deus por tudo.
Preguei em seu culto gratulatório; ele entrou andando com firmeza no santuário, como era seu grande sonho e convicção. Apesar disso ele nunca fez uma decisão ao lado de Cristo. Alguns anos mais tarde me transferi para outra localidade. Ficamos separados por mais de dois mil quilômetros! Toda essa distância tornou os nossos encontros muito raros. Alguns anos depois, nos encontramos em um culto, ele me abraçou e me informou, em lágrimas: “entreguei minha vida a Jesus”. Choramos juntos, expressando a alegria de havermos nos tornado irmãos em Cristo.
Um grande amigo adoeceu gravemente; era um dos ministros na igreja que eu pastoreava. Sabendo que muitas pessoas certamente iriam visitá-lo e pensando em sua aparência desfigurada, com a rudeza do mal que o atacava, procurei orientar as pessoas:
– Os irmãos que forem visitá-lo não mostrem espanto na fala ou nos gestos. Ele está magro, pálido e bastante abatido.
Na próxima visita, ele me perguntou, em tom de repreensão e brincadeira:
– O que você falou a meu respeito às pessoas que viessem me visitar?
Sem imaginar o que se passara, perguntei: – Eu, por que?
– Uma pessoa veio me visitar... olhou atentamente para mim e depois disse:
– Não está tão mal assim... pelo que o pastor Jilton falou, pensei que estivesse bem pior.
O princípio é simples: não fale ao paciente que ele não está bem; não somos médicos e as aparências enganam. Enfermos costumam perguntar: – Como o senhor acha que eu estou? Em tais ocasiões costumo responder com duas perguntas: Como tem se sentido? E mais: O que o seu médico tem falado?
Um dos casos mais típicos do visitador inoportuno que assusta o doente está relacionado ao paciente pré-cirúrgico. A conversa vai mais ou menos assim: “Você vai ser operado de ... ? Meu irmão, um amigo submeteu-se a essa mesma cirurgia e não resistiu. Mas vamos orar”. Inadequadas palavras, é bem melhor não as proferir: nunca devemos mencionar casos cirúrgicos malsucedidos.
Tanto o enfermo quanto quem o visita, têm indagações que lhes martelam a mente. Às vezes esbarramos nas especulações teológicas. Até nos parecemos com os discípulos de Jesus ao se encontrarem com o homem cego de nascença (João 9). A curiosidade deles era saber a causa da deficiência visual (v. 2): "Mestre, quem pecou: este homem ou seus pais, para que ele nascesse cego?”” O interesse de Jesus, ao contrário, foi providenciar os meios para ajudar ao deficiente: depois de afirmar a sua missão no mundo, aproximou-se do enfermo, fabricou um emplastro, aplicou-lhe aos olhos, ordenou que ele fosse se lavar; o homem obedeceu e foi curado do seu mal. Quando os nossos por quês são simples curiosidade, devemos pedir a Deus que afaste de nós a bisbilhotice. Precisamos perceber, entretanto, que há indagações pertinentes e estas precisam ser consideradas:
Por que estou aqui? O enfermo pergunta (ao visitador) o porquê de sua doença e o visitador interroga (a si mesmo) o porquê de sua presença ali. Sem que encontremos a resposta à segunda questão, não teremos condições de ajudar o enfermo em suas indagações e dúvidas. A razão de estarmos junto a alguém enfermo não é simples obrigação ou distração, mas cumprimento de missão. Precisamos pedir a Deus que nos mostre a razão de estarmos ali e nos dê condições de ser úteis. Se alguém com sua presença é incapaz de ajudar, precisa cuidado para não atrapalhar. É melhor a solidão de não ser visitado que receber uma visita que não ajuda.
Que tenho realmente a fazer? A tarefa é difícil, mas às vezes se apresenta tão complexa que nem temos ideia de por onde começar. Um dia fui chamado a dar assistência a uma senhora hospitalizada. Ela sofrera um acidente automobilístico, dois dias antes. Agora voltando do coma, precisava de ajuda. O dado complicador era o fato de o esposo e um filho haverem falecido. Ninguém tinha coragem de lhe dar a funesta notícia; e comigo não foi diferente. A mulher estava sendo iludida com a falsa e provisória informação de que o esposo e o filho também estavam internados em outro quarto no mesmo hospital. Alguém precisava se atrever a dar a notícia que, mesmo sendo verídica e permanente, seria sem dúvida a pior informação já recebida por aquela pobre enferma. Que posso fazer? Sabia que sem Jesus nada seria feito (João 15.5), mas eu precisava da orientação divina para poder atuar como instrumento do Espírito Santo capaz de comunicar a Graça em tão difícil momento. Depois de orar silenciosamente, constatei que precisava de ajuda. Convidei o médico plantonista e o capelão do hospital a compormos uma equipe. Junto com uma enfermeira fomos até o leito da enferma e o médico, sem rodeios, deixou-a informada. Foi um dos casos mais dolorosos que já vivi em meu ministério pastoral; fiz muito pouco, mas tenho a convicção de que cumpri a responsabilidade que Deus tinha para mim. Aprendi que só posso fazer o que Deus me manda fazer; ele indica o que deve ser feito por mim, ele me capacita a fazer e me acompanha a fazê-lo sob sua orientação.
Quais os meus limites, Senhor? Somos teólogos, pastores; não somos médicos. Não nos cabe questionar a competência do médico, nem duvidar da medicação por ele prescrita. Visitadores inexperientes e indiscretos levantam questões capazes de levar ao enfermo e seus familiares a terrível insegurança, capaz de agravar ainda mais a enfermidade. Na visitação a enfermos nunca devemos dizer, “o meu médico é muito melhor”. Ou, algo como, “você está tomando essa medicação? O remédio que me foi receitado é bem mais moderno e eficaz”. Quando não tenho convicção de que o meu falar vai ajudar, o melhor que tenho a fazer é me manter calado.
Posso administrar a medicação? Nossa missão não é prestar assistência como se fôssemos enfermeiros. Se o paciente solicita a medicação, informe a alguém da família e deixe a providência por conta dele. Caso se trate de visita hospitalar, ajude o doente a chamar alguém da equipe de enfermagem. Administrar medicação é algo perigoso e somente os médicos devem prescrever; aplica-la ao enfermo não faz parte do trabalho pastoral.
Como devo me comportar? Pode parecer desnecessário indagarmos sobre conduta, considerando que temos maturidade para agir adequadamente. Apesar disso, infelizmente nem sempre é assim. Estava como acompanhante de um paciente hospitalar, quando um pastor, já de meia idade, chegou para visitá-lo. A visita teria sido perfeita não fora seu costume de tocar em tudo: suas mãos não paravam quietas e nesse frenesi chegou ao ponto de ficar mexendo em um fio junto ao leito do paciente, com um interruptor, tipo pera, na extremidade; até que o alarme disparou – era a campainha para chamar o serviço de enfermagem. Fiquei com pena daquele pastor, quase idoso, com cara de menino, flagrado diante de sua travessura. O sistema quebrou, a campainha ficou soando bem alto e, ainda pior, levou bastante tempo até que viesse um técnico para resolver o problema. Pobre visitador, nem teve mais clima para fazer o principal, que era ler a Palavra e orar.
Onde devo sentar? Não devemos nos assentar na cama, junto com o paciente. Chegando da rua somos portadores de germes. Lavar as mãos logo na chegada, antes de cumprimentar o paciente, é um bom procedimento. Gary Collins recomenda: “Deixe o paciente tomar a iniciativa de apertar as mãos”.[10] E quanto ao melhor lugar para assentar, o ideal é utilizar uma cadeira onde o enfermo possa nos ver e ouvir facilmente e onde possamos acompanhar suas palavras e reações.
Qual deve ser o tempo de duração da visita? – Entre os vários princípios que os especialistas em Pastoral a enfermos oferecem para uma visita bem-sucedida, encontramos com frequência o lembrete quanto ao tempo da visita. Merval Rosa, meu professor nesta área, sempre nos advertia: “visitas a enfermos devem ser breves. Visitas longas incomodam o paciente que, muitas vezes, sofre dores e ficam impacientes”. Collins recomenda: “faça visitas frequentes, mas breves”.[11]
O melhor a fazer é nos colocarmos no lugar da pessoa que está doente. Como eu agiria se estivesse assim? Como eu gostaria que agissem comigo no caso de uma enfermidade? Um pouco de humor faz bem, mas é preciso cuidado. Algumas pessoas são naturalmente engraçadas, todavia precisamos de cuidado para que a visita não perca seu objetivo. Minha esposa estava recém operada quando alguém a visitou. Ouvindo das bênçãos e livramentos recebidos de Deus, aquela piedosa irmã exclamou: “É verdade! Deus aperta, mas não enforca”. Não dava para alguém ficar sério diante de tão inventiva frase; o problema é que minha esposa, operada naquele dia, não podia rir.
Collins apresenta as normas para visitação de doentes.[12] A partir dessa ideia, seguindo outra estrutura e com base na vivência pastoral, decidi trabalhar esse tópico com máxima praticidade para ajudar a todos quantos buscam equipar-se servindo ao Senhor em tão importante e carente área em nossas igrejas e comunidades em geral.
ALFABETO PARA VISITAÇÃO A ENFERMOS
Anime o paciente apresentando-lhe o poder de Deus e a infindável esperança no cuidado dele para com todos nós;
Bata na porta do quarto do doente; se está fechada, há alguma razão; a sensatez nos aponta o caminho do bom senso e da capacidade de espera;
Converse com o doente apenas o que for apropriado, com cuidado de não o deixar cansado, ou agravar a sua situação com angústias e medos;
Deixe de lado a ostentação, mas apresente-se sem descuido; com trajes limpos e bem-dispostos, preferindo as vestes com cores mais suaves;
Evite perfumes ativos; cheiros fortes às vezes incomodam quando a pessoa está incomodada com a enfermidade e impaciente com as dores;
Fale calma e pausadamente (mas de modo natural); isso ajuda o doente a manter-se interessado no que está sendo exposto;
Garanta ao doente orar por ele (cumpra a promessa), mas não lhe garanta qualquer coisa cujo cumprimento não depende de você;
Honre ao enfermo, sempre buscando animá-lo, porém evite exageros, que mais parecerão homenagens póstumas;
Inicie sua visita perscrutando o comportamento do doente; nas ocasiões quando ele não está disposto a falar, o melhor que fazemos é respeitar o seu silêncio;
Jamais converse sussurrando com outras pessoas na presença do paciente, sobre o seu estado de saúde; ainda que ele esteja em aparente coma pode escutar;
Leia a Bíblia e ore, de modo apropriado; com toda informalidade; sem assumir ares cerimoniais e litúrgicos;
Mostre compaixão no modo de falar e agir, porém, tão naturalmente que o enfermo não fique surpreso, achando estar sendo tratado com cortesia pré-morte;
Não transforme sua visita em culto e muito menos em culto fúnebre; só cante se o doente solicitar e se tiver convicção de que o seu cantar não agravará a doença;
Ore pelo paciente e com ele, mas não o anime com falsas promessas; Deus tem poder para curar, mas não podemos garantir a quem e quando ele restaurará;
Pergunte ao paciente apenas o que for pertinente e sempre com o propósito de encorajá-lo, crescendo na comunhão com Deus e buscando fazer a vontade dele;
Queixas e assuntos indigestos não devem estar da pauta do visitador; se o doente os menciona, reaja gentilmente, falando de motivos de gratidão e temas leves;
Respeite a conveniência da hora do paciente e familiares, evitando horários de curativos, refeições e descanso; se o doente estiver dormindo, não o acorde;
Seja alegre sem ser ridículo e afetuoso sem ser pegajoso; tendo em mente que não dá para ser risonho diante da dor, nem pegajoso quando é preciso distância;
Trate o doente com todo apreço, sem minimizar a dor que ele sente, sem falar da aflição que você viveu como maior do que a dele: a dor é pior para quem a sente;
Una-se a outras pessoas que podem ajudar no conforto e recuperação do doente, orando como equipe e cuidando para que não haja discrepância entre o grupo;
Veja, ouça e cale-se. Essa trilogia precisa ser aprendida em toda nossa conduta; e no trabalho com enfermos é um recurso indispensável;
Xeretar de modo algum será uma prática a trazer resultados positivos ao doente; interferências de modo indiscreto podem trazer complicações;
Zele para que o seu trabalho com doentes seja fonte de bênçãos, deixando-o mais disposto e encorajado a sofrer com firmeza a aflição, esperando o agir de Deus.
Trabalhei em uma grande cidade, onde várias vezes fui convocado a ajudar pessoas de cidades menores que para lá se dirigiam com os seus familiares enfermos. Em uma dessas ocasiões atendi ao chamado e chegando ao hospital, alguém da família me falou em particular, advertindo-me que o doente não sabia (nem podia saber) do seu real diagnóstico. Ele estava com uma doença terminal, mas todos lhe falavam que se tratava de uma virose e logo estaria curado. Visitei o enfermo e, depois, falei particularmente à pessoa que me chamara, da impossibilidade de realizar uma pastoral baseada em uma inverdade. Sobre a responsabilidade do conselheiro cristão neste importante assunto, Mendonça afirmou:
Não deve omitir-se a falar diretamente sobre a doença e o processo de sofrimento pelo qual a pessoa está passando. O conselheiro cristão pode cooperar também com o doente grave e com muitos que estão no final de vida no nascimento da esperança naqueles que ainda padecem do pior dos sofrimentos, que é o vazio espiritual e a ausência de sentido para a vida, a morte e o sofrer. A enfermidade grave contribui para uma percepção mais realista sobre a própria vida quebrando ilusões, orgulhos e a fantasia da autossuficiência.[13]
Não defendo a ideia de que o paciente deva ser repentinamente informado da realidade do seu diagnóstico, mas não posso concordar com a opção de manter alguém enganado até a morte. A pessoa cria uma falsa expectativa, uma esperança sem base e, quando chega ao final, geralmente cai em terrível depressão, não só pela realidade de seu quadro, como também pela frustração de sentir-se enganada pelos próprios familiares. Preparar o paciente desenganado para morrer é uma das tarefas mais difíceis de se realizar; apesar disso, algumas vezes precisamos realizá-la.
À guisa de conclusão, compartilho o mais difícil caso de pastoral a enfermos que já vivenciei nesses quase cinquenta anos de atividades pastorais, evidenciando que, quanto maior a proximidade com o paciente, tanto mais difícil torna-se o nosso trabalho. O envolvimento emocional tende a tirar-nos a lucidez, forçando-nos a agir como familiares ou amigos. Isso fica bem claro neste relato.
Viajei 250 quilômetros, do Recife a Maceió, para visitar minha mãe, que havia sido acometida de um acidente vascular cerebral. No aeroporto, meu irmão caçula e a esposa me esperavam. Rumamos direto ao hospital. A condição de pastor me assegurava acesso a qualquer momento, mas nem foi preciso, pois era a hora da visitação pública. Ao chegar, encontrei meu pai e minha irmã mais nova. De imediato, coloquei a indumentária para a entrada na UTI e segui a orientação da enfermeira. Isso aconteceu há vários anos.
Eu tinha trinta anos de trabalho pastoral, à época, e tantas vezes vivera situações idênticas, que aquela bem podia ser mais uma rotina no dia de um Pastor. Naquela tarde, contudo, não era assim. Entrei naquele quarto silencioso, cheio de equipamentos e fios ligados à paciente. Eu estava sereno e a enferma, tranquila, parecia dormir. Fiquei alguns minutos à beira do leito. Em minha mente imagens de minha infância desfilaram. Diante daquele corpo, alquebrado pela doença, fui me lembrando de quanta robustez ela sempre teve. Todos falavam que ela vendia saúde. Em toda vida eu só a vi hospitalizada no parto de seus dois últimos filhos. Mas agora ela ali estava – acamada, sofrida, sedada, debilitada.
Aqueles poucos minutos que passei ao lado dela pareceram uma eternidade. Pensei em falar seu nome, em tocar seu corpo, acariciar-lhe as mãos e beijar-lhe o rosto, mas, uma força maior me impediu de fazê-lo. Eu havia recebido treinamento profissional para nunca mexer em um paciente em coma. Apesar de ela ser quem era, estava na condição de paciente e eu, apesar de ser quem era, sou um pastor: sabia que ela não devia ser incomodada. Assim, contive todo desejo de lhe expressar qualquer carinho. Ternamente fiquei a contemplar seu rosto. Aquele fora o primeiro rosto a se tornar mais familiar para mim. Ali em pé, olhando os aparelhos aos quais ela estava conectada, suavemente orei. Aliás, orei em silêncio. Agradeci a Deus por ela e coloquei a vida dela nas mãos de quem lhe dera vida. Uma vez mais a olhei e algo me dizia que aquele encontro era a nossa despedida.
Saindo dali, encontrei meus irmãos e minha cunhada e lhes segredei que precisávamos ser fortes para enfrentar a partida. Minhas palavras soaram como se proferidas por alguém sem fé, o que era estranho, partindo de um pastor evangélico. No entanto, algo me dizia que o tempo da partida dela chegara. Ela seria promovida e todo seu sofrimento terminaria. Seria doloroso para nós, porém o melhor para ela. Poucos minutos depois, voltei ao Recife, onde ainda residia.
Dois dias depois eu me transferi do Recife para Brasília e a distância que era de 250 quilômetros passou a ser de mais de dois mil quilômetros. Ela continuava hospitalizada. O terrível AVC deixara terríveis sequelas e limitações. Algumas vezes pareceu melhorar tanto que até teve alta. Infelizmente logo novos problemas surgiram, novas recaídas aconteceram e outra vez ela voltava ao hospital e à UTI. Minha irmã caçula, em Maceió, foi quem mais a acompanhou de perto, quem mais batalhou, quem mais sofreu. Minhas três outras irmãs viajaram de suas cidades para estar com ela. Todavia eu e meu outro irmão, que também mora distante, não pudemos mais vê-la. Além da grande distância, eu estava assumindo nova função que inviabilizava qualquer saída.
Aconteceu um mês e um dia após a minha posse. Naquele domingo à noite, depois do culto, eu estava com minha esposa e um grupo de amigos, quando o celular tocou. Do outro lado da linha, meu filho mais velho falou: “Pai, a vovó está com Jesus”. Mesmo sufocado pelo impacto da notícia, devolvi: “Ela está com Jesus; está bem”.
No dia seguinte, eu e minha esposa viajamos para aquele encontro de família, agora sem a presença viva da nossa querida matriarca; ela estaria lá, mas não lá. Tinha razão o meu filho: ela estava com Jesus. Fazia algum tempo que não reuníamos todos: meus seis irmãos, as cunhadas, cunhados, sobrinhos, tios, primos e muitos amigos. Lá encontramos também os nossos quatro filhos, os genros e a nora. Mas entre todos os que ali estavam alguém se destacava. Era a primeira bisneta, com sete meses, que ela nem chegou a conhecer. Vendo aquela criança, com a mãe e a avó, louvei a Deus, porque mesmo enfrentando a morte, podíamos ver naquele “pedaço de gente” a vida, outra vez, brotando na família.
Quase duas décadas se passaram e eu continuo pensando nela e agradecendo a Deus por ela. Às vezes ainda choro. Volto, em pensamento, àquela tarde no Hospital, em Maceió; vejo-me ali em pé, sofrendo, orando, lembrando, mas em silêncio. Digo de mim para mim mesmo: agi correto, agi como pastor. Mas ao mesmo tempo me pergunto: será que eu não devia ter agido como filho? Será que eu não devia ter lhe dito: “mãe estou aqui, estou orando por você!?” Afinal aquela era a última visita.
A auto avaliação da nossa atividade como conselheiros às vezes pode nos conduzir ao sentimento de dúvida e culpa. Em tais momentos a interrogação, “agi de modo correto?” causa tortura. A esse respeito, MacArthur Jr tem um lembrete que nos ajuda: “a Bíblia conclama os conselheiros humanos a que sejam francos, amorosos, humildes com relação às próprias falhas, e a que sejam orientados para a mudança”.[14] Que o Senhor de toda compaixão, a quem seguimos e servimos, nos conceda a sabedoria de fazermos o melhor para a honra e a glória dele.
COLLINS, Gary. Aconselhamento cristão. São Paulo: Vida Nova, 2004.
HOFF, Paul. O pastor como conselheiro. São Paulo: Vida, 2005.
MACARTHUR Jr, John E.; MACK, Wayne. Aconselhamento bíblico: um guia básico dos princípios e prática do aconselhamento. São Paulo: Hagnos, 2004.
MENDONÇA, Flávia Cristina R.; MENDONÇA, Mário César. O desafio do aconselhamento pastoral a pessoas gravemente enfermas. Disponível em: www.faifa.edu.br/revista/index.php/voxfaifae/article. Acesso em 31/10/2017.
ROSA, Merval. O ministro evangélico: sua identidade e integridade. Recife: Edição do autor, 2001.
[1] Doutorado por Notório Saber pela Escola Superior de Teologia, EST (São Leopoldo, RS, 2013), após defesa de tese em banca de doutorado. Curso livre de bacharel, mestre e doutor em Teologia, pelo Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil, STBNB (Recife, PE, 1993). Membro do Conselho da Rede Latino Americana de Homilética, RedLAH. 46 anos de experiências pastorais, havendo dirigido igrejas da Convenção Batista Brasileira, CBB, em Fortaleza (CE), Belém (PA), Teresina (PI) e Recife (PE). Ensina Disciplinas na área da Teologia Prática, especialmente Homilética, há mais de 40 anos; tem servido como pregador, professor visitante, escritor e consultor. Tem quinze livros publicados, nove dos quais na área da pregação. Um de seus livros está publicado em espanhol, Homilética: de la investigación al púlpito (Buenos Aires: Editoral Peniel, 2011). E-mail: jiltonmoraes@gmail.com
[2] ROSA, Merval. O ministro evangélico: sua identidade e integridade. Recife: Edição do autor, 2001, p. 62.
[3] HOFF, Paul. Pastor como conselheiro. São Paulo: Vida, 2005, p. 271.
[4] MACARTHUR Jr, John E.; MACK, Wayne. Aconselhamento bíblico: um guia básico dos princípios e prática do aconselhamento. São Paulo: Hagnos, 2004, p. 79.
[5] MACARTHUR Jr, 2004, p. 79.
[6] MACARTHUR Jr, 2004, p. 79.
[7] COLLINS, Gary R. Aconselhamento cristão. São Paulo: Vida Nova, 2004, p. 389.
[8] MACARTHUR Jr, 2004, p. 79.
[9] COLLINS, Gary. Aconselhamento cristão. São Paulo: Vida Nova, 2004, p. 399.
[10] COLLINS, 2004, p. 397.
[11] COLLINS, 2004, p. 397.
[12] COLLINS, 2004, p. 397.
[13] MENDONÇA, Flávia Cristina R.; MENDONÇA, Mário César. O desafio do aconselhamento pastoral a pessoas gravemente enfermas. Disponível em: www.faifa.edu.br/revista/index.php/voxfaifae/article. Acesso em 31/10/2017.
[14] MACARTHUR Jr, 2004, p. 73.